Marcos Magalhães*
Enormes pedaços de cidades como Nova York e Shanghai poderão ser tragados pelo mar em poucas décadas, alerta Al Gore no filme Uma Verdade Inconveniente. Os mapas teriam de ser redesenhados, diz ele, por causa da enorme quantidade na atmosfera de gás carbônico, que ameaça derreter as calotas polares e elevar o nível dos oceanos.
O ex-futuro presidente dos Estados Unidos, como ele gosta de se apresentar, pode até ser acusado de alarmista. Mas ele demonstra estar seguro não só do que fala, como também do tempo certo para falar.
O mundo não pode mesmo esperar muito tempo para agir. Especialmente os Estados Unidos, responsáveis por 25% das emissões de carbono do planeta – embora tenham apenas 5% da população mundial. O próprio Al Gore admite isso no filme. O aquecimento global, porém, é isso mesmo, global. Afeta os grandes e os pequenos poluidores.
Se cada um de nós pode dar sua contribuição à saúde do planeta, com mudança de hábitos de locomoção e de consumo, como sugere o filme, cada país também pode e deve rever algumas de suas políticas com o mesmo objetivo.
No caso brasileiro, as emissões de gás carbônico ocorrem principalmente por meio de queimadas nas florestas e da queima de combustíveis fósseis nas grandes cidades. O combate às queimadas tem sido marcado por pequenas vitórias, mas ainda há muito que fazer, e por muito tempo, para evitar que a Amazônia siga sendo destruída pelas bordas, como vem ocorrendo há décadas. Resultados mais imediatos podem ser obtidos na redução da emissão de gás carbônico nas grandes cidades.
O alerta ecológico de Gore chega ao Brasil poucas semanas da prometida retomada da discussão sobre a reforma tributária. O que uma coisa tem a ver com a outra? Aparentemente nada, mesmo. Mas é bom lembrar que a reforma tributária tem sido um dos campos de batalha política escolhido por ambientalistas em diversos países – como defendeu o ex-ministro verde alemão Joschka Fischer – para forçar a adoção de novos hábitos de consumo e locomoção.
PublicidadeOs automóveis são um bom exemplo. Durante o governo Collor, criou-se a figura do carro popular, que tem imposto reduzido em função da potência do motor. Quanto menos cilindradas, menor o imposto. Essa fórmula ajudou a aumentar as vendas da indústria automobilística, mas poderia agora ser revista. Melhor que premiar a baixa potência seria, por exemplo, beneficiar o baixo consumo e a baixa emissão de poluentes. Quanto menor o consumo e mais baixa a emissão de gases, menor também seria a alíquota do imposto incidente sobre o veículo.
A reforma tributária poderia adotar esses dois objetivos, mesmo que genéricos, para automóveis, ônibus e caminhões. E regulamentar, de tempos em tempos, a forma de premiar quem vier a investir na eficiência dos motores e na redução da poluição, estabelecendo estímulos tributários para índices determinados de consumo e de emissão de poluentes.
O Brasil tem dado um exemplo ao mundo com os carros flex, que estimulam o uso do álcool combustível – menos prejudicial ao meio ambiente do que a gasolina e o óleo diesel. Poderia ir além, estimulando a adoção, por exemplo, de veículos híbridos, cada vez mais comuns nos Estados Unidos, que rodam mais de 20 quilômetros por litro de combustível.
O mesmo valeria para os ônibus urbanos. Já começam a ser desenvolvidas no Brasil tecnologias tanto de ônibus híbridos, que usam diesel e eletricidade, como de ônibus movidos a células de hidrogênio. Sem esquecer, naturalmente, do programa do biodiesel, elogiado internacionalmente, que pode igualmente reduzir a emissão de gases e estimular a geração de empregos em regiões pobres do país, como o Nordeste.
Tornar mais barato o uso de veículos menos poluentes, por meio de uma política tributária que leve em conta valores ambientais, pode ajudar o país a reduzir as suas emissões de gás carbônico para a atmosfera, além de tornar mais limpas e saudáveis as suas grandes metrópoles. A decisão é política e pode ser tomada agora mesmo.
Deixe um comentário