Márcia Denser*
Com a manchete “Fim da CPMF é choque de democracia”, eternizando frase, foto e vídeo do demo José Agripino (RN), líder do DEM no Senado, o UOL de 13/12 último saudou os respectivos assinantes, festejando a derrota da proposta governista. A impressão seria do mais puro dadaísmo, não fosse apenas nossa dose diária de humorismo jornalístico matinal.
Porque nada mais é sério, nada mais corresponde à verdade – nem se acredita que os tais 40 bilhões arrecadados fossem realmente para a saúde, segundo o governo, tampouco (e muito menos) que a CPMF seria datada, segundo seu próprio criador himself, FHC. A CPMF acabou porque agora para a oposição vale tudo: desprivatizar, aprovar a reforma agrária, triplicar o salário mínimo, instaurar o pleno emprego por decreto, enfim, tudo, qualquer coisa mesmo, humorismos à parte.
Desde que Lula caia fora. Quer dizer, o Lula símbolo, o bem-amado do povo, diga o que disser, faça o que fizer, um Lula do qual o presidente já não é nem sombra. Porque (sorry, neo-nominalistas-liberais-de-plantão) símbolos/ideais/idéias não morrem, prova irrefutável que os “universais” mais do que nunca estão vivos.
Mas voltando à votação, retorna em nossa mente a pergunta que não quer calar: quem ganha politicamente com tudo isso? Creio que Flávio Aguiar, editor da Carta Maior, dá algumas dicas interessantes. Ele diz: “Comenta-se que o DEM mais a ala dura do PSDB saíram ganhando. Saiu ganhando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujos cordéis desde os bastidores sempre dirigiram os gestos e as falas do senador Artur Virgílio. O ex-presidente voltou a colocar-se como uma espécie de fiel da balança do seu partido, em detrimento de Serra, de Aécio, do próprio Alckmin e de Sérgio Guerra, que viu seu poder interno abalado. Este tinha a seu favor a maioria dos senadores do PSDB, pressionados pelos governadores. Apesar disso, em nome da unidade do partido, teve de ceder diante da dureza de Virgílio, que preferiu apunhalar de leve o próprio partido, acaudilhando-o aos Democratas”.
Além da derrota em plenário imposta ao governo, outra foi dada aos seus programas sociais. Os ex-tudo na política conservadora brasileira, agora autoproclamados “Democratas”, sabem que essas políticas sociais roubaram-lhes seus grandes apriscos eleitorais, sobretudo no Nordeste, visto como a fonte do “atraso” nacional, vide no início “o choque democrático” do senador José Agripino, não por acaso advindo do Rio Grande do Norte, o que ilustra e esclarece sobremaneira o artigo do Flávio.
Este observa que o DEM precisa destruir essas políticas sociais para reconduzir seu eleitorado potencial – antes que ele se atomize irremediavelmente – ao miserê das antigas políticas de favor dos potentados locais. Mas isso é uma tarefa a longo prazo e de retorno duvidoso porque passa pelas eleições municipais de 2008 e ninguém sabe se essas tentativas darão certo num país cuja economia cresce, o poder aquisitivo da população mais pobre idem, os empresários investem mais, a popularidade do presidente continua nos píncaros, enfim, tudo o que a direita não pode nem ouvir falar.
No curto prazo, esses políticos sem povo, ou “democratas” sem “demo” (no sentido grego, claro) então são obrigados a conquistar tais votos no aprisco ao lado, ou seja, dos seus aliados/concorrentes do PSDB, passando o punhal pelo menos numa grossa fatia do seu eleitorado preferencial, o da parte conservadora das classes médias, ilustradas ou não. A fatia mais à esquerda, que vota no PT, no Psol ou tem outras preferências, não vai aderir ao DEM nem que todas as vacas morram tuberculosas. Sigo com o Flávio:
“De quebra, os Democratas sinalizam que irão sangrar as grandes empresas (as maiores beneficiadas com o fim do imposto). Como o DEM é um partido senatorial, uma vez que sua representação na Câmara não tem a importância nem a visibilidade da das velhas raposas da Câmara alta, e sua presença nos Executivos estaduais se esvaziou, a manutenção desse cacife depende da eleição de 2010, quando estarão em jogo duas cadeiras por estado. E eleger um senador é muito, muito caro. Ainda mais para quem viu, em 2002 e em 2006, sobretudo, um crescente esvaziamento de seu eleitorado tradicional.
“Não tem jeito: além de afrontar o governo, o PT e outros partidos à esquerda, o DEM, se quiser sobreviver, terá de comer pelas bordas ou pelo núcleo, o “povo”, ou seja, os eleitores dos seus aliados. E começou a fazê-lo na votação de ontem.”
Terá sido isso o que o senador José Agripino do Rio Grande do Norte realmente quis dizer – e dizendo-o de forma tão inaugural – com “mudança de eixo político”? Ato falho à parte, referia-se apenas a Lula?
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