Cláudio Versiani, de Nova York* |
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Se contar, ninguém acredita, mas vou arriscar. Estados Unidos da América, primeiro mundo, a única superpotência do planeta, depois que Reagan e João Paulo II detonaram o Muro de Berlim e o comunismo. Publicidade
Aqui quase tudo funciona, e nós, os “cucarachas”, ficamos de boca aberta, espantados com tamanha eficiência. Mas, olhando de perto, não é bem assim. Vira e mexe, acontecem coisas que só poderiam estar no noticiário de um país terceiro-mundista ou “em desenvolvimento”, escrevendo politicamente correto. Publicidade New York é a cidade do “delivery”, aqui se entrega comida a toda e qualquer hora. Quem faz esse tipo de serviço são os latinos e os asiáticos, porque americano não sabe, não quer e não vai fazer mesmo. A maioria dos “delivery men” é ilegal. O ICE (agência que cuida de imigração) finge que não vê. Só em Nova York são 400 mil imigrantes ilegais, 5% da população. Na verdade, se “pegarem” todos os ilegais que trabalham nos EUA, o país literalmente pára ou, pelo menos, muita gente vai ficar sem comer em casa e nos restaurantes. Vai faltar garçom, as roupas não serão lavadas e passadas e a construção civil não sairá do chão. Pois bem, vamos à historia do chinês azarado. Ming Kuang Chen, 35 anos, trabalha no Restaurante Happy Dragon, no Bronx, fazendo entregas de comidas, 40 por dia e pelo menos 60 nos finais de semana. Ele dá duro das 11 horas da manhã às 11 horas da noite, seis vezes por semana, com um salário de US$ 1200, mais as gorjetas, com o que sustenta a mulher e o filho de 12 anos, que continuam na China. Ming Kuang Chen é mais um trabalhador ilegal em NY. Os chineses pagam US$ 60 mil aos atravessadores para entrar nos EUA. Os brasileiros desembolsam de US$ 6 mil a US$ 10 mil para atravessar a fronteira com o México. PublicidadeNuma sexta-feira de abril, às 20h30, lá foi Kuang fazer mais uma entrega no bairro do Bronx. O endereço era um conjunto residencial de 13 prédios. Começou aí sua onda de azar. Feita a entrega, Mr. Chen, como a imprensa local passou a chamá-lo, desapareceu. Só encontraram a sua bicicleta em frente ao prédio da entrega ou “delivery”, como se diz aí no Brasil. A suspeita era que Mr. Chen estivesse morto, já que nos últimos cinco anos, três entregadores de comida chinesa haviam sido mortos, vítimas de assaltos. Por favor, não riam dessa estatística impressionante. Começou o show da busca a Mr.Chen. Na própria sexta-feira, a polícia mobilizou 100 guardas que aqui se chamam “oficiais”, sem falar nos detetives envolvidos no mistério do chinês azarado. No final de semana, o esquadrão de emergência da polícia foi acionado. Cães farejadores também entraram na história. Parques e cemitérios vizinhos não ficaram de fora da busca. Mergulhadores procuraram Mr. Chen num reservatório de água. Helicópteros sobrevoaram a área, e nada do chinês. A polícia checou os 871 apartamentos dos prédios – e, de novo, nada de Mr. Chen. Azar também teve Troy Smith, morador do mesmo prédio. Alguém ouviu uns barulhos estranhos e chamou a polícia, que arrombou a porta de seu apartamento que estava vazio. Quando Troy chegou à casa foi recepcionado pela tropa de choque. Algemado ali mesmo, foi levado para a delegacia. A camisa que ele vestia tinha uma mancha vermelha muito suspeita, e foi para o laboratório. A polícia perguntava : “Onde está o chinês e o que você fez com ele ?” Troy respondia : “I don’t know” (“Eu não sei”). Ele passou o fim de semana preso e só foi liberado depois que o teste revelou que a mancha de sua camisa era molho para churrasco, como havia declarado. Mr. Chen estava preso há mais de três dias num dos elevadores dos prédios do Bronx. Ninguém se deu conta que o elevador expresso, que só pára a partir do 21º andar, havia estacionado no quinto piso. Finalmente, na terça-feira, às 5h da manha, uma boa alma escutou as súplicas de Mr.Chen. Felizmente, o chinês, já não tão azarado, foi resgatado pelo Corpo de Bombeiros, rivais da polícia de Nova York. Os elevadores têm câmeras de vigilância. A explicação para que ninguém tenha visto o chinês é que ele teria ficado num ponto cego da câmera. Mr. Chen não fala inglês, mas pediu ajuda pelo interfone do elevador várias vezes. Quem atendeu a um de seus chamados achou que era alguém bêbado, fazendo uma brincadeira. Será que ele não aprendeu nem a falar “help”? Mr. Chen estava desidratado e só concedeu uma coletiva depois de passar pelo hospital para se recuperar. Com a ajuda de um tradutor, respondeu que não sabe se vai continuar com a profissão. Perguntado se voltaria ao prédio, disse que não, mesmo porque, além das más lembranças, as gorjetas ali são muito ruins. Depois disso, Mr. Chen desapareceu de novo. O chinês continua ilegal, e os agentes da Imigração querem falar com ele. A polícia, que poderia ter checado os elevadores antes de arrombar as portas, disse que imigração não é com ela. Mr. Chen é um sujeito sem sorte, daqueles que a gente fala: “vai ser azarado assim lá na China”. |
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