Paulo Kramer *
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A cada processo eleitoral, emerge das urnas algo além dos votos. Proclamado o resultado da eleição, os partidos políticos se contorcem num exercício de retórica para interpretar, cada qual a seu favor, o resultado das urnas. Mais do que a disputa pelos cargos eletivos, está em jogo a supremacia da tese do vencedor. Nela, todos permanecem candidatos. O norte-americano William Isaac Thomas (1863-1947), um dos fundadores da Escola Sociológica de Chicago, é autor de um teorema que revela que, em política, a percepção se converte em realidade. Em outras palavras, quando os atores definem uma situação como real, ela o será nas suas conseqüências. Um dos exemplos mais lembrados para se entender o “teorema de Thomas” é o da propagação do boato de que determinado banco está à beira da falência. Ainda que sem um pingo de verdade, a notícia se espalha, os clientes atemorizados encerram suas contas, os investidores desaparecem, e a profecia se cumpre. Publicidade
Numa sociedade heterogênea, é impossível se extrair um sentido único do processo eleitoral. Definido o destino dos votos, o desafio imediato de um partido político é fazer com que o maior número possível de pessoas acredite na tese de que ele foi o grande vencedor. Publicidade
Nessa disputa particular, a mídia assume um papel ainda mais relevante, por causa de sua capacidade de definir a agenda do debate público. Afinal, a imprensa consegue introduzir aquilo que ela mesma considera como prioridade no rol das preocupações do cidadão comum. Não por acaso, as assessorias dos partidos abasteceram os jornais, após o primeiro turno das eleições municipais, com farta avaliação sobre o resultado das urnas, cada qual, evidentemente, puxando a brasa para a sua sardinha. É a velha máxima popularizada por um ilustre ex-ministro do governo Itamar Franco: “Aquilo que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”. PublicidadeMas é forçoso ressaltar que, no esforço de transformar a sua interpretação em verdade, os partidos têm a seu favor a heterogeneidade do recado que emerge das urnas. As manifestações do eleitorado não podem ser analisadas única e exclusivamente sob o calor (ou a frieza) dos números. Vejamos alguns exemplos. É verdade que o PFL perdeu uma de cada quatro prefeituras que tinha, mas não é menos verdade que o partido conseguiu se estabelecer como o de maior representatividade em todas as regiões do país. Além disso, elegeu 44% de seus candidatos a prefeito. No Rio, consolidou-se como principal força política de oposição ao casal Garotinho, liderando uma cruzada que inclui o próprio PT, graças à reeleição, já no primeiro turno, de César Maia. O PT, por sua vez, comemora os 16,31 milhões de votos depositados pelo eleitor em todo o país. Foi o único dos grandes a ampliar o número de prefeituras – passou de 174 para 398 – e assiste a um processo de “despaulistização” da legenda, com vitórias expressivas, em primeiro turno, em capitais como Recife, Belo Horizonte e Aracaju. A força das lideranças paulistas no partido é um dos principais fatores de desagregação no governo. O Palácio dos Bandeirantes, sede da administração paulista, é espaço cobiçado por petistas proeminentes, como José Dirceu, Antonio Palocci, João Paulo Cunha e Aloizio Mercadante. Apesar disso, o PT elegeu apenas um em cada cinco candidatos a prefeito e não conseguiu figurar entre os cinco partidos com o maior número de administrações municipais. O topo dessa lista permanece com o PMDB, por mais que se tente enfatizar o enfraquecimento da legenda que já ocupou três mil prefeituras. Desta vez, elegeu 1.048 prefeitos e ainda disputa o segundo turno em outras 12 cidades. Além disso, fez o maior número de vereadores (8.252) em todo o país. Como a política eleitoral no Brasil é feita da periferia para o centro, os peemedebistas vão continuar a ser o fiel da balança nas próximas eleições e nas votações do Congresso Nacional. No ranking quantitativo das prefeituras, o segundo lugar ficou com o PSDB. Por mais que tenham perdido prefeitos desde que foram desalojados do Palácio do Planalto, os tucanos vão se manter à frente de, pelo menos, 861 municípios. De quebra, exibem para o governo como credencial os 15,69 milhões conquistados no primeiro turno. Qualquer que seja o resultado nos 44 municípios onde haverá o segundo turno, inclusive na capital paulista, o discurso dos partidos continuará pautado pela minimização das derrotas e a hipervalorização das vitórias. A eventual conquista de José Serra (PSDB), em São Paulo, será saudada pelos tucanos como o início da derrocada do governo Lula, enquanto os petistas irão reduzi-la a um mero acidente de percurso, sem qualquer impacto no cenário nacional. Não é preciso muita imaginação para identificar o discurso adotado pelos dois partidos, no caso de uma suposta reeleição da prefeita Marta Suplicy (PT). Com tantos vencedores, vão faltar batatas. |
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