O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aproveitou a visita de vários Ministros do governo da Presidente Dilma àquela casa recentemente para lhes apresentar uma agenda, batizada de “Agenda Brasil”. Entre outros aspectos, defendeu maior desvinculação de receitas da união em relação às despesas já existentes com previsão legal.
Ao mesmo tempo propôs que os brasileiros de maior poder aquisitivo possam pagar por serviços oferecidos pelo SUS. Para qualquer um que já esperou semanas e meses por atendimento na rede pública a medida poderá desafogar o SUS e gerar mais receitas para o Sistema. Para outros seria uma medida de justiça contributiva (quem pode mais paga mais).
Na verdade, as duas proposições (mais desvinculação de receitas e pagamentos pelo SUS) representam um engodo. Vejamos as razões. A desvinculação de receitas nasceu em 1994, com a Emenda Constitucional de Revisão No. 01, antecedendo a implantação do Plano Real. À época, avaliou-se que a persistência da inflação tinha como uma de suas causas o excesso de gastos públicos e que, por isso, reter receitas era medida preventiva. Criou-se então um fundo (fundo social de emergência, FSE) para o qual foram transferidos 20% de receitas de um conjunto fontes, previstas para gastos de certa natureza.
Anos depois o fundo foi rebatizado para ser de “estabilização fiscal”, FEF, deixando de reter receitas do INSS. Por fim veio nova nomenclatura, mais enxuta, vindo a se constituir como DRU-Desvinculação das Receitas da União, pela emenda constitucional 42 de 2003. No mesmo período, em particular a partir de 1999, a desvinculação foi acompanhada do crescimento veloz dos papéis do tesouro nacional na composição da dívida pública. Segundo SICSU & VIDOTTO (2007), em “A administração fiscal no Brasil e a taxa de juros”, a dívida subiu de 29,2% para 42,6% do PIB entre 1994 e 1998 e nisso os papéis pularam de 11,54% para 35,4% de seu total.
Já segundo GOMES (2006) entre julho de 1994 e julho de 2002 a inflação medida pelo IGP-M chegou a 143%, mas a taxa de juros SELIC usada para combatê-la pulou para 653,8%. Para o autor, investir em papéis do tesouro foi o maior negócio do período. Com o peso dessas despesas no tesouro nacional, a desvinculação passou a servir mais ao pagamento desses encargos, jogando receita na formação do superávit primário.
Por isso, ao propor mais desvinculação de receitas da união, o senador alagoano apenas reforça os ganhos dos grupos financeiros que apostam na elevação dos juros e na dívida pública como centro da gestão orçamentária no país. Quanto ao SUS, em 1988 a Constituição Federal vinculou sua manutenção ao orçamento da seguridade social (art. 198). Acontece que até hoje a DRU desvia 20% das receitas da seguridade, também sangrada por desonerações de suas receitas a favor de empresas e setores econômicos diversos.
Mesmo assim, corroída pela DRU, as desonerações e a sonegação, ao final de cada ano, a seguridade tem expressivo superávit, depois de pagar o SUS e os benefícios da assistência social e da previdência. Segundo a “Análise da Seguridade Social 2013” (ANFIP, www.anfip.org.br) suas receitas em 2013 foram de R$ 650,9 bilhões. As despesas R$ 574,7 bilhões. Restou superávit de R$ 76,2 bilhões.
Desde 2005, porém, a DRU retirou da seguridade R$ 332,4 bilhões. Por isso essas duas “sugestões” de Renan à Presidente Dilma são apenas a volta do velho lobby a favor do capital financeiro. Os caminhos para sair da crise atual são: refazer o diagnóstico da inflação, reduzir as taxas de juros, alongar o período para se obter a meta de inflação, auditoria constitucional da dívida pública, fim da DRU na arrecadação da seguridade social e transferência de seu superávit anual para o SUS.
Referências Bibliográficas
SICSU, J.& VIDOTTO, C. “ A administração fiscal no Brasil e a taxa de juros” in “Arrecadação, de onde vem; Gastos Públicos, para onde vão “, SICSU, J. Organizador, Unesp, São Paulo 2007
GOMES, José Menezes – “ Planos de Estabilização Econômica na América Latina “, Tese de Doutorado em História Econômica, USP, 2005.
Deixe um comentário