Marcos Magalhães*
Alguns bons e velhos comunistas gostavam de fincar bandeirinhas sobre os mapas de países que se aproximavam da esquerda ou, pelo menos, adotavam uma postura de independência em relação aos Estados Unidos. Saboreavam vitórias na África dos anos 70 e torciam pelo sucesso das guerrilhas na América Central dos anos 80. A queda do Muro de Berlim borrou as bandeirinhas e espalhou uma cor uniforme, quase monótona, sobre o mapa mundi. Mas a história dá as suas voltas e, a menos de seis meses das eleições para o novo ocupante do Palácio do Planalto, o Brasil começa a ser cercado de novas bandeiras.
Ao sul, um sempre imprevisível Nestor Kirchner deixou para trás as relações carnais de seu antecessor Carlos Menem com os Estados Unidos. Apostou em uma postura independente na economia, dobrou a resistência dos portadores de títulos argentinos, abandonou as receitas ortodoxas e viu o Produto Interno Bruto voltar a crescer a taxas quase asiáticas. Durante quanto tempo, não se sabe. E nem a que preço, pois a inflação já voltou a namorar os dois dígitos e os investimentos demoram a chegar. Se o crescimento é sustentável, como o do vizinho Chile, o tempo dirá. Mas Kirchner começa a adquirir mais simpatia no continente.
Parte do sucesso de sua receita se deve à ajuda do ainda mais independente Hugo Chávez, presidente da Venezuela, que gastou bilhões de dólares na compra de títulos argentinos e permitiu que Buenos Aires quitasse sua dívida com o Fundo Monetário Internacional. Pois Chávez faz de seus petrodólares combustível para retirar diversos vizinhos latino-americanos do raio de influência dos Estados Unidos. Apesar de seguir exportando petróleo para o mercado norte-americano, Chávez sobe o tom a cada dia e ameaça publicamente de expulsão o embaixador dos EUA em Caracas.
Chávez tem um amigo, há poucos meses, na presidência da Bolívia. Evo Morales também demonstra simpatia pela política do confronto – e não apenas com os Estados Unidos. Endureceu o jogo com a Petrobrás e ameaça nacionalizar todas as jazidas de gás, sob o argumento de que a Bolívia quer sócios, e não patrões. Morales tem a seu favor a legitimidade de sua liderança junto à ampla e esquecida maioria indígena boliviana. Mas terá de enfrentar o fato, mais cedo ou mais tarde, de que, sem investimento, não poderá ajudar essa imensa maioria a superar a linha da pobreza.
Dentro de poucas semanas, a coleção de novas bandeiras se completa com a eleição, no Peru, de Ollanta Humala ou do ex-presidente Alan García. Favorito para o segundo turno e vencedor do primeiro, Humala acena com a reedição do antigo nacionalismo dos militares peruanos. Quer aumentar a participação do Estado na economia e, como Morales, nacionalizar as jazidas de gás e petróleo. Na política externa, deverá promover uma aproximação com a Venezuela e completar a oeste o arco de amigos de Chávez.
Os vizinhos, como dizia a poetisa goiana Cora Coralina, são ainda mais importantes do que os parentes. E o futuro presidente brasileiro terá de buscar parcerias renovadas com todos eles. Da mesma forma, os velhos comunistas não precisarão arrancar os últimos cabelos pela ameaça de uma intervenção norte-americana na região. O Irã e o Iraque já são suficientes para tirar o sono dos responsáveis pela política externa dos Estados Unidos.
PublicidadeOs riscos que o subcontinente enfrenta são outros. O primeiro é um passo em direção à estagnação, quando se emitem sinais politicamente confusos para os investidores. E o segundo é o desembarque no Brasil da nova tentação populista. Em uma região ainda atrasada e empobrecida, o discurso da ruptura guarda boa parte de seu antigo charme. Mas antigas idéias nem sempre resistem bem ao tempo. É bom lembrar que o Chile, país que há mais tempo cresce na América do Sul e que mais cidadãos retirou da pobreza nos últimos anos, é também o que mais se abriu ao mundo e à modernidade.
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