Ronaldo Brasiliense*
Na reta final da campanha, dois homens públicos de notória honradez deram declarações semelhantes, mostrando descrença com o processo eleitoral brasileiro. O senador Jefferson Peres (PDT-AM) anunciou no plenário do Senado que vai deixar a vida pública ao final do mandato. Veja alguns trechos de seu discurso:
"Como se ter animação em um país como este, com um presidente que, até poucas semanas atrás, até poucos meses atrás, era sabidamente – como o é – um presidente conivente com um dos piores escândalos de corrupção que já aconteceu neste país?"
"É desinformação da população? Não, não é. Se fizermos uma enquete em qualquer lugar deste país, todos concordarão, ou a grande maioria, que o presidente sabia de tudo; então votam nele sabendo que ele sabia. A crise ética não é só da classe política, não, parece que ela atinge grande parte da sociedade brasileira".
"Ele (Lula) vai voltar porque o povo quer que ele volte. A democracia é isso. Curvo-me à vontade popular, mas inconformado. Esta será uma das eleições mais decepcionantes da minha vida. É a declaração pública, solene, histórica do povo brasileiro, de que desvios éticos por parte de governantes não têm mais importância".
"Um país que tem um Congresso deste, que tem uma classe política desta, que tem um povo… dizem que político não deve falar mal do povo, eu falo, eu falo… parte da população que compactua com isso, é lamentável. E que sabe, não é por desinformação, não. E que não é só o povão, não. É parte da elite, inclusive intelectuais".
"Compactuam com isso porque são iguais, senão piores. Vou continuar nessa vida pública? Para quê? Para mim, chega".
PublicidadeJá o ex-senador Jarbas Passarinho, três vezes ministro durante a ditadura militar, ministro da Justiça no governo Fernando Collor, ex-governador do Pará, anunciou que estava desanimado para votar com tanta corrupção grassando pelo Brasil afora e bateu: "O povo gosta de votar em ladrão". O disparo de Passarinho teve alvo certo: o ex-governador Paulo Maluf (PP-SP), o deputado federal mais votado do país. Mas também se destinava a mensaleiros como João Paulo Cunha (PT-SP), José Mentor (PT-SP), Paulo Rocha (PT-PA) e Valdemar Costa Neto (PL-SP), que voltaram à Câmara dos Deputados pelo voto. E ainda a alguns deputados sanguessugas que também renovaram o mandato parlamentar.
Também se reelegeu, como campeão de votos no Pará, o deputado federal Jader Barbalho (PMDB), acusado pelo Ministério Público de ser "chefe da quadrilha" que "saqueou os cofres da Sudam". Outro paraense eleito para a Câmara dos Deputados é o estreante Roberto Faro, o Beto da Fetagri, preso pela Polícia Federal na Operação Faroeste, negociando terras públicas com grileiros quando ocupava a superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Pará.
Do alto de seus 85 anos, Jarbas Passarinho, coronel da reserva, um dos ministros que assinaram o famigerado AI-5, lamentou os desvios éticos do governo Lula – e do PT, principalmente. E lembrou que os generais que se revezaram na Presidência da República durante o regime militar não enriqueceram no poder. De fato, não há registro na mídia sobre presidentes do ciclo militar – de Castelo e Figueiredo – que, mesmo numa ditadura, tenham se locupletado de dinheiro público.
Bem ao contrário do que ocorre hoje com muitos governantes, em vários estados da federação, como mostram as freqüentes denúncias da imprensa sobre políticos que, apesar de terem ocupado única e exclusivamente cargos públicos, tornaram-se proprietários de poderosos grupos de comunicação, fazendas de gado, jatinhos, carrões, de contas em paraísos fiscais e otras cositas más.
A eleição acabou no domingo com a reeleição do presidente Lula para um mandato de mais quatro anos e a confirmação de que ao Congresso Nacional voltarão dezenas de malfeitores, parlamentares que conseguiram renovar seus mandatos para manter o foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF) e a impunidade para seus crimes por, talvez, mais quatro anos.
Até quando?
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