Cláudio Versiani, de Nova York* |
Se uma palavra pode definir a independência dos EUA, liberdade é a resposta. Mas o sentimento que inspirou os patriotas foi a tolerância. A Constituição americana, que, no século 18, assegurou os direitos civis e estabeleceu eleições livres, foi revolucionária. A famosa Primeira Emenda garante até hoje a liberdade de expressão para o cidadão e para a imprensa e o direito de livre associação. Além disso, os fundadores foram espertos o suficiente para separar Estado e religião. Governo é uma coisa e igreja é outra. Esses princípios constitucionais sempre funcionaram. Mas hoje já não é bem assim. George Walker Bush anda misturando as estações. Ele acredita piamente que é um emissário de Deus. O presidente já disse que Deus fala por meio dele e que ele (Bush) consulta o Todo-Poderoso quando precisa de uns conselhos. Pobre Deus! Publicidade
Bush considera a sua guerra contra o terror uma cruzada, ele já afirmou isso em pelo menos duas ocasiões. Só faltou chamar os muçulmanos de infiéis. Publicidade
Mas não se deve nem se pode confundir os EUA com George Bush, o presidente que dividiu o país ao meio. Na verdade, 50% estão com ele e 50% não querem vê-lo nem pintado de dourado. O país não é o que George Bush pensa. Pelo contrário, metade dos norte-americanos acha que ele não pensa. Depois dos bárbaros ataques de 11 de setembro, os muçulmanos têm vivido tempos difíceis em terras norte-americanas. Em 2004, os chamados crimes de ódio e as agressões contra os seguidores de Alá aumentaram em 50% no país, segundo uma pesquisa realizada pelo Conselho das Relações Islâmicas-Americanas. Mas e bom deixar claro No final do mês de março, duas garotas de 16 anos foram presas sob a alegação de serem potenciais terroristas. Um documento oficial do FBI atestava que “as garotas representavam uma ameaça iminente à segurança dos EUA”, baseado em evidências de que elas planejavam se tornar meninas-bomba. É obvio que as duas meninas são muçulmanas, uma de Bangladesh e a outra da Guiné. A garota da Guiné foi libertada depois de seis semanas. A outra vai ser deportada com toda a família porque entraram no país de forma ilegal. Tudo começou quando os pais da garota de Bangladesh foram à polícia relatar que a guria estava desafiando a sua autoridade. Logo depois a pendenga familiar foi resolvida, mas a polícia resolveu investigar. Os detetives e agentes da imigração foram até a casa da menina e confiscaram seus pertences e um computador. Eles não tinham mandado para entrar na casa nem para apreender objetos. Nos textos que estavam no computador encontraram um ensaio, que ela havia escrito para a escola, sobre a situação política no mundo árabe e sobre terroristas que se explodiam como homens-bomba. Por sinal, no ensaio ela condenava a prática dizendo que suicídio é contra as leis do islã. Em uma outra investigação dos agentes da Imigração, a menina da Guiné, Adama Bah, também foi presa. Novamente a alegação da ilegalidade encobria a suspeita de terrorismo. Uma só poderia ser cúmplice da outra. As meninas nunca tinham se encontrado, mas ambas eram muçulmanas, o que foi o bastante para o FBI fazer a ligação entre as duas. Nunca foram acusadas de nada. O caso guarda um simbolismo: basta ser muçulmano para ser suspeito. O New York Times, que descobriu e cobriu a história, publicou um editorial com o indignado titulo “Culpado até que se prove a inocência”. Não dá para esquecer que este país está em guerra, aliás, por decisão do presidente que convenceu o Congresso da necessidade da guerra. Mas a tolerância não tem passado perto da Casa Branca ultimamente. Porém, outras coisas se passam por lá. Uma vez por ano a associação dos correspondentes da Casa Branca promove um jantar em que o convidado principal é o presidente. De acordo com a tradição, ele deve fazer umas piadinhas e tentar ser engraçado. Em 2004 a equipe de Bush produziu o famigerado vídeo em que ele procurava as “WMD” (armas de destruição em massa) debaixo de sua mesa de trabalho. Em 2005, resolveram fazer diferente. Quando Bush começou a fazer seu discurso, a primeira-dama o interrompeu, mandou-o sentar e disse que não agüentava mais aquelas piadas velhas. Obviamente, tudo dentro do script. As piadas, este ano, seriam dela. Começou dizendo que, se Bush desejava acabar com a tirania do mundo, deveria ficar acordado um pouco mais todos os dias e não ir para a cama às 21 horas. Comparou a sogra a D. Corleone (de “O Poderoso Chefão”) e fez outras gracinhas. O ponto alto foi quando disse que Bush sempre foi um cara muito esforçado. Na época em que eles compraram o rancho no Texas, contou, George não entendia muito do negocio. No primeiro ano, continuou ela, Bush chegou a tentar ordenhar um cavalo – e o pior, era um cavalo macho. A língua inglesa tem a palavra “mare” que significa égua. Mas também se usa cavalo para os dois sexos, “male horse” para cavalo e “female horse” para égua. Ou seja, a piada de gosto duvidoso só faz sentido na língua inglesa. Os 3 mil convidados acharam a maior graça nessa e nas outras piadas. Artigos publicados no New York Times e na revista The Nation enfatizaram que era a primeira vez que alguém envolvia o presidente com o falo ou o pênis de um cavalo e que a piada sugeria masturbação. Comportamento estranho para uma primeira-dama, comentou David Corn, da Nation. Mas, no geral, as piadas da esposa do presidente fizeram sucesso por estas bandas. Laura tem o dobro de aprovação do presidente. É mais inteligente e simpática do que o marido, ninguém duvida. A estratégia dos marqueteiros era humanizar a figura do presidente, seja lá o que isso signifique. Mas se pode funcionar para o público interno, o mesmo não se pode dizer para o público externo. Laura agora é a embaixadora de Bush. Em Israel ela se sentiu como o marido, ou seja, hostilizada por gregos e troianos, no caso, israelenses e palestinos. “Você não é bem-vinda aqui”, foi o que ela escutou nas ruas. Deve ser a síndrome do sobrenome. Enquanto isso, a guerra do Iraque já matou 1600 soldados americanos, mais de 20.000 civis iraquianos e consumiu US$ 200 bilhões. É a cruzada de Bush II, o Intolerante. George Washington e os revolucionários americanos devem estar se revirando em suas tumbas, fatalmente não era esse o país que estavam imaginando quando fundaram a nação norte-americana. |
Deixe um comentário