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Governo e oposição começaram a traçar um roteiro pouco promissor para apurar as denúncias de irregularidade nos Correios. A sede dos parlamentares em convocar um número elevado de depoentes para prestar esclarecimentos à comissão parlamentar de inquérito (CPI) pode inviabilizar as investigações, segundo o ex-consultor legislativo Mauro Márcio Oliveira, especialista no assunto. Na primeira reunião da CPI foram aprovados 110 requerimentos, um terço deles relacionados à convocação de testemunhas ou suspeitos. “Não adianta irem com essa fome ao pote, porque vão se lambuzar de tanta informação e não vão saber o que fazer”, adverte Mauro, com a experiência de quem fez uma radiografia das 37 CPIs instaladas no Senado no período de 1943 a 1989. O resultado da pesquisa está no livro “Comissões Parlamentares de Inquérito no Senado Federal”, no qual revela que apenas metade das investigações produziu um relatório final. “Quando a CPI é muito danosa, ela realmente acaba em pizza”, diz o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB). Publicidade
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Durante 14 anos, Mauro foi consultor legislativo do Senado, onde assessorou sete comissões parlamentares de inquérito e vivenciou os bastidores de um universo visto com desconfiança pela maioria da sociedade. Ora classificadas como “balcão de negócios”, ora como “pizzarias”, as CPIs costumam ter o caminho definido a partir da correlação de forças entre governo e oposição. “A regra básica da CPI é de que ela tende a dar certo quanto menos base parlamentar tiver o presidente da República”, diz, ao explicar as razões do sucesso da CPI do PC Farias, que resultou na queda do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Em meio a esse jogo político, Mauro aponta a necessidade de o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçar a aliança com o PMDB para impedir que as investigações saiam do controle. “A relatoria está nas mãos do PMDB. Certamente o relatório é uma decisão partidária. Para onde o PMDB for essa balança vai. O PT sozinho não tem condição de segurar essa CPI”, observa. PublicidadeOutro fator fundamental para a definição do alcance das comissões de inquérito, segundo o pesquisador, está na repercussão dos fatos nos jornais. “Quem sustenta uma CPI é a imprensa. À medida que a imprensa se desinteressar, por falta de novidade, ela morre”, afirma. Isso, na avaliação dele, tende a ocorrer se as investigações não evoluírem rapidamente. “Ou a CPI é feita até novembro ou ela não produz nada”, sentencia. “Se a CPI tentar investigar todos os contratos citados Congresso em Foco – O senhor acha que a CPI dos Correios começou bem com o depoimento de Maurício Marinho? Mauro Márcio – A CPI dos Correios ainda não achou o seu foco, ainda não sabe exatamente o que está investigando. Maurício Marinho deu uma de Roberto Jefferson: saiu atirando para todo lado, mas não tem provas. Acusou inclusive contratos irregulares de outras áreas dos Correios. Esse depoimento pode provocar o depoimento de outros diretores dos Correios, o que tende a dificultar ainda mais as investigações. Pode ser que, se for chamado para depor daqui a alguns dias, as pessoas que têm provas cheguem até ele levando alguma coisa relevante. Aí ele vai se tornar um homem-bomba. Mas o fato de estarem sendo criadas as CPIs dos Bingos e a do Mensalão vai ajudar a CPI dos Correios a encontrar o seu foco de investigação. Nas três vezes que falou, Maurício Marinho se contradisse. Nos relatórios da Polícia Federal, na fita e na CPI ele não falou nada que se encaixasse. Se a CPI tentar investigar todos os contratos citados por ele como tendo irregularidades, ela não vai descobrir nada. O senhor pesquisou 40 anos das CPIs do Senado. Quais foram as suas conclusões? Os dados históricos não conferem com a idéia pública de que as CPIs servem de instrumento de fiscalização do governo. Isso porque a CPI é intensamente oposicionista e um instrumento de fiscalização do governo apenas no ato inicial. No segundo momento, que é o da instalação, a intensidade de oposição já cai bastante. Depois, na montagem da presidência e da relatoria e durante a apuração, ela perde ainda mais essa carga oposicionista. Uma CPI começa essencialmente oposicionista e termina praticamente governista, pois, ainda que a lei garanta que o pedido da CPI seja feito pela oposição, a montagem da CPI vai obedecer à regra de proporcionalidade dos partidos. A própria regra já puxa o tapete do sentimento original da CPI. Historicamente o comando das CPIs fica nas mãos do governo, a exemplo do que ocorre no caso dos Correios? O governo está mais interessado na relatoria. O presidente é fundamental porque vai decidir se e quando um assunto será colocado em votação. Também vai decidir se o voto é aberto ou secreto. Mas o relator tem na mão todo o material e relata o que ele quiser. Às vezes, você pode convidar uma pessoa que dá milhões de evidências, e só meio por cento disso entra no relatório. O relator é quem manipula a informação e decide se vai investigar mais a fundo aquele assunto. Ele pode perfeitamente desconsiderar todas as perguntas e respostas que sejam mais incômodas num depoimento. “Se você quer dar um ar de tecnificação e seriedade a A CPI dos Correios está indo no caminho certo? Já está se falando em cento e poucos depoentes. Isso vai gerar por baixo mais de 10 mil folhas para serem lidas. Um mundo de papel, como foi na CPI do Banestado. Não existe força de trabalho técnica para digerir aquelas coisas. Se você quer dar um ar de tecnificação e seriedade a uma CPI, você chama muitas pessoas para depor. Nenhum parlamentar vai sentar e olhar documento por documento. Já passeis dois meses deglutindo uma montanha de informação e, no fim, a montanha pariu um rato. Se os governistas quiserem envenenar uma CPI, é só pedir uma montanha de papel. O elevado número de requerimentos apresentados é um mau indício para a CPI? Não sei se todos podem depor. Se ela é dos Correios, legalmente não pode entrar em assuntos relativos ao IRB nem ao mensalão, a não ser que haja uma conexão entre essas pessoas que a gente não conhece. Por enquanto, ainda são três assuntos separados. Se quiserem investigar os R$ 4 milhões que Roberto Jefferson recebeu na campanha já é outra coisa. Os técnicos legislativos têm que ir armando essa conexão entre as pessoas, um trabalho muito extenso. É natural que se queira apurar tudo quando uma CPI começa. Você pede tudo, mas se dá conta de que a estrutura técnica não consegue atender a isso. É impossível fazer tudo isso num prazo de seis meses. Dar ritmo a uma CPI exige uma capacidade gerencial muito pronunciada da presidência. “Quem sustenta uma CPI é a imprensa. À medida que a imprensa se desinteressar, por falta de novidade, ela morre. (…) Ou a CPI é feita até novembro ou ela não produz nada” Quem sustenta uma CPI? Quem sustenta uma CPI é a imprensa. À medida que a imprensa se desinteressar, por falta de novidade, ela morre. E os parlamentares que queriam denunciar já não estarão mais interessados e vão pedir para sair. Começam a se desgastar, por não ter mais notícias para dar para a imprensa. Ou a CPI é feita até novembro ou ela não produz nada. Em dezembro, todo mundo vai querer voltar para casa. Ninguém quer saber se vai tirar o Lula, mesmo porque tem que começar o trabalho da próxima eleição. Se chegar o recesso e a CPI parar inconclusa, ela será retomada em fevereiro, mas, como a imprensa não vai falar nada sobre o assunto, a comissão vai simplesmente morrer. Quando uma CPI demora muito, perde a força. Quem mais alimenta uma CPI? O depoimento do Roberto Jefferson não tem nada de provas – ou ele tem tudo e até agora não mostrou nada. Ele preferiu esperar dez dias (depois da entrevista à Folha) para ir ao Conselho de Ética porque sabe que precisa de um meio tempo para ser reabastecido (de informações). Quando a denúncia sai, as pessoas percebem que ele está numa posição de ataque. Aí vai lá um jornalista que tinha sido maltratado por não sei quem, um presidente de um sindicato que tem alguma coisa contra o presidente dos Correios… Acredito que, nesse intervalo, ele recebeu de dez a quinze visitas e foi reabastecido de informações. Isso também acontecia comigo quando trabalhava em CPIs. Recebia muitas ligações de gente com denúncia, mas 99% delas eram “achismo”. Você descobria que, no fim, a pessoa tinha uma mágoa, foi preterida, mas não tinha documentação. Acho que depois que a CPI se oficializar, as pessoas vão se dirigir aos membros da comissão (para denunciar). Roberto Jefferson deu muitas informações, tem muita gente para depor, muita documentação será gerada e isso pode entalar a CPI. “A comissão vai ouvir mal e porcamente quatro pessoas É possível, já no início dos trabalhos, avaliar se uma CPI vai vingar ou não? É preciso esperar para ver se vai se manter a lista dos cento e poucos depoentes. Mas eu recomendaria eleger ordem de prioridade nos depoimentos. O melhor é aprovar aos poucos, não adianta aprovar todos os depoentes de uma vez. A comissão vai ouvir mal e porcamente quatro pessoas por semana. Se 100 pessoas forem ouvidas, isso significa que serão cinco meses só ouvindo gente. E a que horas que essas pessoas vão trabalhar? Não adianta irem com essa fome ao pote, porque vão se lambuzar de tanta informação e não vão saber o que fazer. O tempo útil da CPI é de julho a novembro. É nesse tempo que as coisas têm que sair, ainda que a decisão final seja prorrogada para fevereiro. Agora, só acredito numa convocação extraordinária (do Congresso para concluir a CPI) se o presidente da República estiver envolvido. “A regra básica da CPI é de que ela tende a dar certo quanto menos base parlamentar tiver o presidente da República” Por que a CPI do PC deu certo? A regra básica da CPI é de que ela tende a dar certo quanto menos base parlamentar tiver o presidente da República. O Collor foi eleito pelo PRN, que no fim do mandato dele, nem existia mais. Cerca de 90% da base do Collor era extra partidária. Certamente deve ter havido outros presidentes da República que cometeram ou deixaram que se cometessem tantas irregularidades quanto o Collor, e não foram cassados. O PT não tem a base parlamentar que todo mundo gostaria. Mas é infinitamente maior que a do PRN. No caso do Lula, ele tem uma defesa muito mais substantiva para evitar a cassação. O máximo que pode acontecer é ele chegar ao ponto de ter de formar um governo de coalizão. E dividir, aprovar o que um quer, o outro quer. Eu tenho a impressão de que, no caso, isso chegaria apenas até os seus ministros, não afetaria o Lula. Mas claro que são seis meses perdidos da chamada agenda positiva do governo. As coisas vão ficar encavaladas, vai se deixar para fazer no próximo ano o que já deveria ter sido feito este ano. “Muito poucas CPIs punitivas deram certo, por uma razão fundamental: elas nascem, muitas vezes, de uma insatisfação com o governo, de uma denúncia que muitas vezes é pequena” Existe uma percepção de que as CPIs não dão resultados. Estatisticamente, essa avaliação é verdadeira? É verdadeira, mas a CPI é um produto mal vendido. As pessoas lêem cinco linhas de jornal e já fazem deduções. Uma CPI avaliadora só avalia, vê se um programa foi bem ou se foi mal. Uma CPI belíssima, neste caso, foi a das obras inconclusas. Muito poucas CPIs punitivas deram certo, por uma razão fundamental: elas nascem, muitas vezes, de uma insatisfação com o governo, de uma denúncia que muitas vezes é pequena. Um entusiasmo excessivo com um objeto que não produz resultado. Além dos resultados políticos, como a cassação, outro grande produto de CPI que as pessoas não consideram é o aperfeiçoamento da legislação. Em geral, quase toda CPI contribui para isso. Se vier uma reforma política em que haja punição por mudança de partido, moralização e financiamento público de campanhas, já terá valido o esforço da CPI. No caso do Banestado, a CPI enfiou a mão numa colméia em que ia sobrar pra todo mundo. Quando se chega a um ponto em que se percebe que vai esparramar lama pra todo lado, pegar todo raio político, até os mais honestos, até os bispos, realmente termina em pizza. Acho que a CPI do Banestado vai terminar em pizza, porque não teve nem relatório ainda. Em parte, por que a imprensa arrefeceu um pouco no caso do Banestado? Quando o relatório aponta numa direção de muita inculpabilidade, os parlamentares que estão contra o relatório fazem um acordo, preparam outro relatório substituto, derrotam o oficial e o substituem pelo outro. Quando a CPI é muito danosa, ela realmente acaba em pizza. Se o atingido é um Collor da vida, com baixíssima expressão parlamentar, ela dá certo. Agora, contra um Fernando Henrique, nunca daria certo, porque o cara tem cento e tantos parlamentares no Congresso. Se ele for, ele te arrasta. Então a CPI dos Correios tende a dar errado? Se nos Correios tem gente do PT e do PMDB (envolvida), eu diria que ela daria errado. Mas se está com PT e partidos menores, pode ser que ela dê certo e atinja esses partidos. Onde tem PMDB, acho que não dá certo. É um partido muito grande. Apesar de ser um partido muito dúbio, no fim, se tem a idéia do coleguismo. Os políticos pensam: por que eu vou deixar meu colega ir também? Eles vão segurar a barra um do outro. Nesse caso, quem pediu a CPI dos Correios estava interessado apenas num balcão de negócios? Eu acho. Estava interessado em acuar. É muito sintomático. O PT, ao que tudo indica, era um partido muito preparado do ponto de vista de sua estrutura interna. Tinha um estatuto, uma militância absolutamente presente, arrumou a casa. À medida que ele precisa negociar e se relacionar bem com os vizinhos, ele está mostrando que é igual aos demais. A fraqueza do PT é na parte externa. A CPI dos Combustíveis, que não teve tanta cobertura da mídia, acabou em confusão, deputado acusando um ao outro, com denúncia de achaque contra empresário do setor. A CPI virou uma banca de negócios? Uma CPI em si não é um balcão de negócios nunca. Mas, o que pode ser o balcão de negócios é o momento do requerimento da instalação.O que pode acontecer é um grupo de parlamentares identificar áreas frágeis do governo, ter evidências de irregularidades e entupir a agenda do presidente com requerimentos de CPIs. Se o presidente da Câmara foi eleito contra a vontade do governo, significa que ele se sente no direito de ter sua agenda pessoal política. Ele vai disputar uma área no poder e aqueles requerimentos são munição pra ele. Mesmo que ele seja contra, é bom que ele tenha na mesa um monte de coisas, para poder negociar o que entra ou não em pauta, o que deve ser votado. Não quer dizer que a negociação seja por dinheiro, mas é por prestígio político. As comissões mistas, como a dos Correios, têm características que as distinguem das CPIs de uma única Casa? Os assuntos investigados em CPIs mistas tendem a ser de alta importância, pois apenas um assunto de alto potencial explosivo é capaz de mobilizar um acordo entre as duas Casas. Além disso, como é formada por muitos parlamentares, de diferentes partidos e tendências, a CPI mista é de difícil condução. As sessões tendem a ser longuíssimas, complicadas, cheias de questões técnicas de regimento. A CPI do PC, por exemplo, só chegou aonde chegou por causa do aparecimento de um motorista e uma secretária que estavam dispostos a revelar o que sabiam. É comum haver a influência do “imponderável” numa CPI? Precisar esse risco é muito difícil. Numa CPI, é como se o Congresso estivesse dizendo à nação: “Brasil, estamos preparados para receber as denúncias. Não pensem que as denúncias só serão apuradas pelos parlamentares, pela Polícia Federal, pela Procuradoria-Geral da República, não. Qualquer pessoa pode chegar aqui e fazer as suas denúncias”. O objetivo é estimular que a sociedade contribua. Motoristas e secretárias que denunciam geralmente tinham uma expectativa que foi frustrada, a exemplo do que ocorreu no caso do Garganta Profunda, nos Estados Unidos. O cara era o segundo e queria ser o primeiro, não conseguiu e aí delatou. São pessoas que foram preteridas. Como bom carneiro, não berrou na hora. Quietou, levou o golpe e segurou. Aí o momento histórico apareceu e ele marcou. No depoimento ao Conselho de Ética, Roberto Jefferson afirmou que, ao fim de uma CPI, os membros se reúnem para decidir quem vão cassar ou salvar. O senhor já sentiu isso numa comissão? Parece que, no caso do Banestado, é isso que vai acontecer. Na impossibilidade de se chegar à pena correta para o grau de apuração, ou você esquece – não vota, não cumpre os prazos – ou você faz uma punição para jogar para a torcida. Eu acho que eles vão chegar a esse ponto. “O relatório certamente não vai ser um produto da inteligência do relator somente. É evidente que o relator vai ser chamado pelo presidente do partido. Certamente o relatório é uma decisão partidária” O presidente e o relator determinam tudo numa CPI? O presidente, com o regimento na mão, decide o que vai para a votação e o que não vai. Se põe em votação ou não põe. Se ele resolver que não vai para votação, o resultado pode estar maravilhoso e não será votado. Morre na praia. No caso da CPI dos Correios, temos a presidência com o PT, que, de alguma forma, vai controlar a questão regimental. A relatoria está nas mãos do PMDB. O relatório certamente não vai ser um produto da inteligência do relator somente. É evidente que o relator vai ser chamado pelo presidente do partido. E com todo o direito, ele não está fazendo negociata nenhuma. Vão avaliar quais seriam as conseqüências para o partido. E tem que ser assim. Certamente o relatório é uma decisão partidária. E o senhor antevê que decisão será essa? O PMDB ainda não tem até agora ninguém mencionado em nada. Por enquanto, o partido está limpo e soberano para tomar qualquer decisão e, aparentemente, não tem que cortar na própria carne e ainda é o maior. O PMDB pode dar uma vira-volta neste caso todo e sair como o grande partido. Deixar que a CPI termine em pizza ou morra na praia é ruim para o PMDB. Essa pode ser uma plataforma para o partido dar um salto do ponto de vista de se apresentar ao eleitorado sob outra perspectiva. “Para onde o PMDB for essa balança vai. Tendo em vista a eleição de 2006? Sim. Para saber os rumos da CPI temos que levar em consideração qual o dividendo, do ponto de vista político, que o PMDB pode tirar disso. Porque ele ainda é um partido muito dúbio em relação ao apoio ao governo. Essa sempre foi a posição do PMDB, a não ser na época dos militares, em que era muito combativo. Para onde o PMDB for essa balança vai. O PT sozinho não tem condição de segurar essa CPI. O PT vai ter que acordar, não só com o PL ou o PTB, mas com partido grande, como o PMDB. |
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