Edson Sardinha |
A reforma ministerial a ser anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a ampliação do espaço do PMDB na administração federal, não vai amenizar a crise política nem acrescentar um voto para o governo no Congresso. O alerta é de um militante histórico que dedicou 39 dos 45 anos de sua vida pública ao partido: o senador Pedro Simon (RS). “O MDB também não é santo. Querer salvar o governo dele em cima do MDB? Coitado (de Lula)! Ele está mal das pernas”, diz o peemedebista. Na avaliação de Simon, ao oferecer mais duas pastas ao PMDB, Lula vai pagar mais pelo mesmo. “Vai ficar tudo igual: uns votando a favor e outros, contra. Em outras palavras, dar cargo ou não para o PMDB não muda nada”, considera. Publicidade
Fundador do velho MDB, como gosta de ressaltar em suas falas quase sempre ponderadas, Simon sugere que o atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o senador José Sarney (PMDB-AP) saiam do partido. “Não vamos sair do MDB para o Sarney, que não era do MDB, ou para o Renan, que era do PCdoB, ficarem”, diz ao explicitar a luta interna partidária. Leia também Publicidade
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Simon revela que, a despeito de pertencer ao PMDB, não se identifica com Renan e, muito menos, com o ex-presidente Sarney, de quem foi ministro da Agricultura, entre 1986 e 1987. “Nós, do MDB do Rio Grande do Sul, temos um estilo que não se identifica com o de Suassuna (líder do partido no Senado) e Renan. Com ele (Sarney), menos ainda, o MDB gaúcho nunca se identificou”, afirma. PublicidadeAo oferecer mais cargos ao PMDB, Lula desperdiça a chance de nomear um ministério de “notáveis” para reverter a crise na qual mergulhou o governo desde as denúncias do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), avalia Simon. As mudanças, segundo ele, devem começar pela saída do Banco Central, Henrique Meirelles, e do ministro da Previdência, o seu correligionário Romero Jucá. “Esses caras estão sendo processados no Supremo Tribunal Federal. Tem de tirar”, adverte. Com a experiência de quem foi um dos membros mais atuantes das CPIs do PC Farias e do Orçamento, o senador gaúcho não esconde a frustração por ter sido preterido da comissão parlamentar de inquérito que investiga as denúncias de corrupção nos Correios. A liderança do partido no Senado optou por indicar nomes afinados com o Planalto. Excluído pelos colegas de bancada, Simon recorre à ironia para justificar sua exclusão das investigações: “Concordo que, com esse nível (dos demais senadores indicados pelo PMDB), se eu entrasse, teria de me perguntar o que andei fazendo de errado”. Congresso em Foco – O PMDB mais uma vez se dividiu em relação à proposta do governo de aumentar o espaço do partido no ministério. O que o PMDB tem a perder ao assumir novos cargos? Pedro Simon – O MDB sempre teve a tradição de querer participar de governo e pegar cargos. Não é hora de o partido fazer isso num momento tão tumultuado como esse. O MDB pratica um gesto muito importante quando se coloca totalmente solidário à governabilidade, a ajudar o governo a tocar o barco, sem entrar com cargos. Cargos que, na nossa opinião, o presidente deveria oferecer a pessoas importantes para aumentar a credibilidade que está faltando ao governo. Muda alguma coisa na relação do PMDB com o governo a partir de agora? O Renan (Calheiros, presidente do Senado) soltou uma nota dizendo que os entendimentos com o governo serão feitos pelo grupo dele. Isso mostra um racha dentro do partido, algo que já se previa que fosse acontecer. Mas essa posição do grupo de Sarney e Renan, contrariando a orientação do presidente do partido, não pode incitar ainda mais a ala oposicionista contra o governo? Não. Vai ficar tudo igual: uns votando a favor e outros, contra. Em outras palavras, dar cargo ou não para o PMDB não muda nada. Mas mesmo assim é grande a possibilidade de o PMDB ganhar mais dois ministérios. Eles vão querer. O Sarney está engasgado porque a filha dele não foi indicada ministra. Agora mesmo eles têm um candidato a ministro de Minas e Energia, que é o presidente da Eletrobrás. Mas isso é uma coisa é deles. O partido não está atrás disso. “Nós, do MDB do Rio Grande do Sul, temos um estilo que não se identifica com o de Suassuna e Renan. Com ele (Sarney), menos ainda, o MDB gaúcho nunca se identificou” O PMDB está dividido há 20 anos. O senhor ainda o considera um partido político? Não seria uma federação partidária? A confusão está enraigada em todos os partidos. O que parecia ser o melhor de todos, que era o PT, está nessa confusão que não se imaginava. O MDB, desde que morreu o Dr. Ulysses, tem essa divisão interna. É difícil chegar a entendimento. Nós, do MDB do Rio Grande do Sul, temos um estilo que não se identifica com o de Suassuna e Renan. E com o de Sarney? Com ele, menos ainda, o MDB gaúcho nunca se identificou. “Não vamos sair do MDB para o Sarney, que não era E por que não chega a um momento de ruptura? Um outro partido? Outro partido não é solução. Não vamos sair do MDB para o Sarney, que não era do MDB, ou para o Renan, que era do PCdoB, ficarem. Eles é que tinham de sair? Sim. Nós, que fundamos e estamos no partido a vida inteira, é que temos de continuar. Por que os partidos chegaram a essa crise de identidade? No início da atual legislatura, o PL tinha 25 deputados. O governo foi lá e levou o partido para 50. Com o PTB e o PP, aconteceu a mesma coisa. Cerca de 80 parlamentares entraram nessa troca, coordenada pelo PT para fazer maioria. Agora está aí essa história do mensalão. “Tivemos a CPI do Orçamento com a cassação de A culpa é do nosso sistema político? O nosso sistema é todo anárquico. Fizemos um belo trabalho na Assembléia Nacional Constituinte. De lá pra cá, tivemos aquele horror do caso Collor. E ainda assim saímos bem. O Congresso decretou o impeachment do presidente. Tivemos a CPI do Orçamento com a cassação de vários parlamentares. Depois a coisa se deteriorou. Fernando Henrique comprou não sei quantos parlamentares para aprovar a emenda da reeleição. Não se consegue votar uma lei de fidelidade partidária, de organização do sistema político, do sistema eleitoral. A situação se deteriorou. Quando a gente imaginava que a vitória do PT seria uma revolução social e política, o quadro simplesmente piorou. “Fernando Henrique fez as mesmas coisas. Não deixou criar a CPI dos Corruptores para apurar a compra de votos na emenda da reeleição. Agora a coisa é muito pior. A relação do atual governo com o Congresso se deteriorou em relação à era Fernando Henrique? Fernando Henrique fez as mesmas coisas. Não deixou criar a CPI dos Corruptores para apurar a compra de votos na emenda da reeleição. Agora a coisa é muito pior. Está em tudo quanto é canto. O chefe da Casa Civil do Fernando Henrique (o ex-ministro Pedro Parente) era uma pessoa excepcional, todo mundo reconhecia que era um homem de primeira grandeza. A situação se deteriorou bastante. “Se a CPI dos Bingos tivesse sido aberta há um ano e seis meses, nada do que está acontecendo agora teria ocorrido” Qual é a culpa do presidente Lula em todo esse processo? A culpa é menos do presidente, e mais do comando do partido dele. A primeira coisa que ele deveria fazer era recompor o ministério. Ele pôs como ministros 19 candidatos que perderam a eleição. Lula estava com uma credibilidade enorme, poderia ter um feito um ministério notável, convocando nomes de gabarito. Se a CPI dos Bingos tivesse sido aberta há um ano e seis meses, nada do que está acontecendo agora teria ocorrido. Teríamos estancado ali na Casa Civil. Por outro lado, o governo não conseguiu montar uma equipe que tocasse obra e fizesse a coisa andar. Acho que essa ministra (Dilma Rousseff) vai fazer aquilo que o anterior (José Dirceu) não fez. Lula não tem estilo para isso. “Lula tem de demitir o presidente do Banco Central Com a experiência política que o senhor, que cenário o senhor projeta para o segundo semestre? Um: depois de impedir, Lula deixou criar a CPI dos Correios – agiu certo. Dois: pôs a Dilma (chefe da Casa Civil) – agora ele vai ter uma tocadora de obra. Três: pôs como procurador-geral da República (Antonio Fernando Barros) um homem igual ao que saiu (Claudio Fonteles). Agora, Lula tem de demitir o presidente do Banco Central (Henrique Meirelles) e o ministro da Previdência (Romero Jucá). Esses caras estão sendo processados no Supremo Tribunal Federal (STF). Tem de tirar. Os ministros das Relações Exteriores (Celso Amorim) e da Justiça (Márcio Thomaz Bastos) são ótimos. Os ministros da Agricultura (Roberto Rodrigues) e das Exportações (Luiz Fernando Furlan) são formidáveis. Tarso Genro (Educação) e Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) são belos caras. Mas Lula precisa fazer uma revolução, botar gente de gabarito para tocar o governo dele. “O PMDB também não é santo. Querer salvar o governo dele em cima do PMDB? Coitado (de Lula)! Ele está mal das pernas” Até agora, o presidente tem reagido bem à crise? Não, porque ele quis reagir fazendo acordo com o MDB. O MDB também não é santo. Se ele fecha esse acordo com o partido, pondo mais cinco ministros, na hora da votação vai ser a mesma confusão. Daqui a pouco vão fazer uma CPI para investigar os caras do MDB. Querer salvar o governo dele em cima do MDB? Coitado (Lula)! Ele está mal das pernas. Em vez de fazer isso, tinha de falar com a nação. Temos um ano e meio pela frente, vamos nos unir e caminhar, temos coisas positivas para mostrar. “Tem uma parte enorme (no PMDB) que gosta do Sarney e O que está por trás dessa aproximação com o PMDB? É um equívoco. É a segunda vez que o Renan e o Sarney levam ele (Lula) a fazer essa coisa. Lula pensou que o MDB estava unido, e não estava. Tem uma parte enorme (no PMDB) que gosta do Sarney e uma outra que não gosta. O Renan é a mesma coisa. O MDB tem esse sentimento de apoiar e lutar. O MDB tem de ter uma candidatura própria à presidência da República. Ao propor uma aproximação maior com o PMDB, o governo quer, mais do que apoio nas votações, blindar-se das investigações no Congresso, já que o partido tem a relatoria da CPI dos Correios? Da maneira que a CPI está sendo conduzida, com a imprensa em cima dela o tempo todo, ela não vai poder fugir da verdade. Justiça seja feita, tanto o presidente, que é do PT, quanto o relator, que é do MDB, estão agindo com absoluta imparcialidade. Com a experiência que teve nas CPIs do PC e do Orçamento, o senhor acredita que ela vá chegar a algum lugar? Começou bem, nota 10 pra ela, assim como para a Comissão de Ética da Câmara. O Brasil inteiro assistiu àquele discurso do Jefferson no conselho. O Congresso tem de responder à opinião pública. Jefferson é um cara meio aético, não tem compromissos muito claros. Ele confessou que recebeu R$ 4 milhões e as coisas erradas que fez e disse que sabe que cassarão o seu mandato. O mais grave, entretanto, é que tudo o que ele disse está se confirmando. O senhor acredita, então, na existência do mensalão? Claro, só se acreditarmos que o publicitário (Marcos Valério Fernandes) pegou os R$ 20 milhões para comprar bois e pôs o dinheiro na fazenda do Jucá em Roraima (o ministro da Previdência é acusado, no STF, de dar uma fazenda fantasma como garantia de empréstimo bancário). “O problema não é cassar deputado. Eles foram corrompidos. E os corruptores, que são do governo, como ficam?” Pra dar satisfação à sociedade, a tendência é a CPI cassar alguns deputados? O presidente Lula tinha noção desse esquema? Não acredito, mas a cada da ficamos mais assustados com as coisas que estão aparecendo. O senhor teme que o presidente Lula não chegue ao fim do mandato? Não. Há interesse geral da sociedade de que isso não aconteça. Ninguém até agora falou que Lula teve participação em algo. Ninguém quer isso também. Há um sentimento de governabilidade, de investigar e de levar tudo até o fim. Apurar, mas manter o sistema institucional. O senhor ficou magoado por não ter sido convidado a compor a CPI dos Correios? Magoado, não. Isso faz parte. O Suassuna (líder do PMDB no Senado) tem um estilo de comandar. Eu tenho outro. Sou completamente diferente dele. Os caras não confiam em mim. Botaram ele – cujo suplente é diretor dos Correios –, um outro senador que está sendo processado no Supremo Tribunal Federal (Luiz Otávio) e o suplente (Wirlande da Luz) do ministro da Previdência, que está sendo processado no Supremo. Concordo que, com esse nível, se eu entrasse, teria de me perguntar o que andei fazendo de errado. Que sentimento o senhor, com 45 anos de vida pública, tem diante dessa crise toda? Não se sente cansado com esse quadro político? Aos 75 anos, voltei a presidir o MDB do Rio Grande do Sul. A situação partidária nacional estava tão anárquica que me achei na obrigação de dar minha contribuição, embora reconheça que, se olhar para trás, quando era estudante, o Brasil vivia bem melhor do que hoje. Em Porto Alegre, havia duas ou três favelas. Na rua, você não encontrava o quadro cruel da injustiça social que existe hoje. Em outras palavras, esses nossos 45 anos não resolveram muita coisa. Que perspectiva o senhor vê para o ano que vem? Não diria para o ano que vem, mas para o futuro do Brasil. Não tenho nenhuma dúvida de que o país chegará a algum lugar nos próximos 20 anos. Dr. Ulysses foi como Moisés, que guiou por 40 anos no deserto. Na hora de entrar na terra prometida, não acreditou quando Deus lhe disse: “Bate na pedra”. Bateu e saiu água. “Mas quando for na hora de entrar, tu não entra.” O problema da água está aflorando de forma fantástica. O Brasil tem a maior reserva de água doce no mundo inteiro. O país tem mais da metade das terras agricultáveis do mundo. É só plantar. Tem a maior reserva de minérios. Essas coisas estão sendo aproveitadas. Nossa agricultura está crescendo. A Embrapa é referência mundial. Isso é uma coisa boa que Lula está fazendo. O entendimento econômico e comercial entre Brasil, China, Índia e África do Sul é uma posição significativa no contexto mundial. Apesar de tudo, estamos no caminho certo. |
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