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O deputado Jairo Carneiro (PFL-BA) recomendou ontem a cassação do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) por quebra de decoro parlamentar. O relator do processo no Conselho de Ética acusa o petebista de ter cometido crime eleitoral e sonegação fiscal , ao admitir que recebeu R$ 4 milhões do PT por intermédio do empresário Marcos Valério Fernandes para financiar gastos de campanha do partido, e tráfico de influência. Ao longo das 41 páginas do relatório, Carneiro sustentou que Jefferson abusou da prerrogativa constitucional da inviolabilidade parlamentar – um dos argumentos da defesa. Acusou Jefferson de não ter comprovado a existência do pagamento de mesada a parlamentares da base aliada, o mensalão, e apontou outras práticas que podem ser consideradas falta de decoro parlamentar, como o recebimento de vantagens indevidas de empresas privadas e órgãos públicos. Publicidade
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O relatório deve ser votado nesta quinta-feira. Para que a cassação siga adiante, o parecer precisará do voto de oito dos 15 deputados. Só então o texto seguirá para o plenário da Câmara, onde a votação é secreta e são necessários 257 votos para confirmar a cassação. Veja a íntegra do parecer do relator pela cassação de Roberto Jefferson: Publicidade" O Brasil é ‘isso’. É ‘isto’. O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta assembléia. O Brasil é este comício imenso de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesoiro. Não são os mercadores do Parlamento. Não são as sanguessugas da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. Não são os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano. Não são os oligarcas estaduais. Não são os ministros de tarraxa. Não são os presidentes de palha. Não são os publicistas de aluguer. Não são os estadistas da impostura. Não são os diplomatas de marca estrangeira. São as células ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação das nossas energias. É o povo, num desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade." (Rui Barbosa ) Das Imunidades Parlamentares O artigo primeiro da Constituição de 1988, em seu caput, consagra o Estado Democrático de Direito como sendo a chave da natureza da organização institucional do Brasil. A história desse conceito – Estado Democrático de Direito – assinala uma constante preocupação no sentido de preservar-se o exercício dos mandatos parlamentares de toda e qualquer espécie de pressão, a fim de que os representantes do povo possam desempenhar, com a necessária independência, a dupla função que lhes compete: a de legislar e a de fiscalizar a ação do Estado. Partindo-se da consideração de que deputados e senadores exercem uma função pública de primordial relevância, atinente à superior direção político-social do País, desde logo se percebeu a necessidade de subtraí-los ao “direito comum” a que se subordinam os funcionários do Estado, para assegurar-lhes um “status” jurídico especial e próprio, concedendo-lhes determinadas prerrogativas destinadas a protegê-los de eventuais abusos ou desvios do poder. Como bem definiu o mestre Miguel Reale em seu artigo “Decoro Parlamentar e Cassação de Mandato Eletivo” (Revista de Direito Público, vol. 10, out./dez. de 1969, págs. 87 e segs.), tais prerrogativas são de duas espécies, umas externas e outras internas. As primeiras têm por escopo preservar o parlamentar de pressões oriundas de fora do Congresso, quer de particulares, quer de órgãos do Estado: são dessa natureza, na tradição de nosso Direito Constitucional, a inviolabilidade, civil e penal, por suas opiniões, palavras e votos previstas no art. 53 da Constituição de 1988. No entanto, como o representante do povo pode ficar exposto a ameaças e desmandos vindos da própria Câmara, o “Direito Político” fixou alguns princípios básicos destinados a preservá-lo da ação arbitrária de seus pares, cercando-o de garantias internas, com a precisa determinação dos motivos necessários e bastantes para que, por deliberação do Plenárío, possa ser decretada a perda de mandato. É nessa ordem de “poderes-deveres”, para empregarmos a terminologia clássica de Santi Romano, que se situa a hipótese particular de perda de mandato do parlamentar cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro, nos termos previsos no art. 55, inciso II, da Constituição Federal. Do conceito de decoro parlamentar O termo “decoro” é definido pela Enciclopédia Saraiva do Direito (vol. 22, pág. 491) como sendo “o mesmo que decência. Honra. Respeito de que se deve cercar a pessoa, de acordo com o local em que se encontra.” O decoro parlamentar, especificamente, é tratado em vasta doutrina, da qual podemos colher algumas lições basilares. Segundo Wolgram Junqueira Pereira, em seus Comentários à Constituição de 1988: “Decoro é a decência, respeito de si mesmo e aos outros. Este dever de respeito e decência o parlamentar não mostra, apenas, no recinto das Casas Legislativas. Acompanha-o durante todo o mandato. Aquinhoado que é por prerrogativas constitucionais, fica obrigado, também, ao respeito pelo mandato que lhe foi conferido. Deve ser mantido o respeito pelo parlamentar, não podendo deixar de guardar a relação existente entre o seu comportamento e a investidura de representante da soberania popular” (pág. 562) Para Pinto Ferreira, “a falta de decoro parlamentar é o procedimento do congressista atentatório dos princípios de moralidade, ofensivos à dignidade do Parlamento, maculando o comportamento do bonus pater familias” (Comentários à Constituição Brasileira, pág. 25). José Cretella Júnior conceitua o que se entende por decoro e falta de decoro nestes termos: “Decoro, do Latim decorum, é da mesma raiz dos cognatos decor, decoris, decet, tem o sentido de decência, dignidade moral, honradez, pundonor, brio, beleza moral” (Comentários à Constituição de 1988, p. 2.660). Ressaltando o aspecto moral ínsito na figura do decoro parlamentar, Rubem Nogueira defende a preservação da moralidade na vida política, como se lê no trecho abaixo: “Antes do mais, fique logo dito que reputamos fora de questão a necessidade de preservar-se a moralidade da vida política total, como um valor básico da ordem social e do ordenamento jurídico. O parlamentar deve perseguir o bem público, e não há bem público contra a moral, pois esta, nas palavras de Lean Dabin, é a lei do homem e o público se compõe de homens” (jn Considerações acerca de um Código de Ética e Decoro Parlamentar – Revista de Informação Legislativa no 118, abril/junho de 1993, pág. 349). Faz-se mister reconhecer que grave risco cercaria o regime democrático se a expressão “procedimento incompatível com o decoro parlamentar” pudesse ser usada para coibir a livre atuação do parlamentar no estrito exercício de seu mandato, privando-o da liberdade de crítica e do dever de denunciar, com responsabilidade, eventuais irregularidades na condução dos negócios públicos. Para que desmandos não ocorram, e não se ponha em risco sobretudo a liberdade de expressão do parlamentar, torna-se indispensável determinar, com o devido rigor, as notas conceituais de “decoro parlamentar”, à luz não apenas da experiência jurídica nacional e estrangeira, mas da própria legislação atinente ao tema, no nosso caso, o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. Não nos parece despiciendo o trabalho de remontar às raízes das palavras em busca de luz, pois, muitas vezes a perspectiva primeira dos conceitos que utilizamos nos aparece mais claramente ao subirmos até suas fontes etimológicas. Decoro é palavra, que, consoante sua raiz latina, equivale a ter e manter correção, respeito e dignidade na forma dos atos, de conformidade e à altura de seu status e de suas circunstâncias, o que implica uma linha de adequação e de honestidade. Justamente nesse sentido declarou Cícero: “et quod decet honestum est et quod honestum est decet”. Essa idéia de conformidade foi que inspirou Thomasius a pôr o “decorum” entre o “justum” e o “honestum”, segundo a máxima destinada à disciplina da Política: “quod vis ut alii tibi faciant tu ipsis facies.” O núcleo da palavra “decoro” é dado, como se vê, pelo sentido de “conveniência”, na dupla acepção física e moral deste termo, importando sempre a noção de medida ou de adequação condigna entre o ato praticado e a situação de quem o pratica. É o que, aliás, resulta dos registros dos mestres da língua, como se pode ver em Morais (“honra, respeito devido a alguém por seu nascimento, ou dignidade; a conveniência das ações, e outras exterioridades com o caráter da pessoa”), Laudelino Freire e Caldas Aulete (“respeito de si mesmo e dos outros; acatamento, decência; dignidade moral, nobreza, brio, honradez”), Aurélio Buarque de Holanda (“correção moral; compostura, decência; dignidade, nobreza, honradez, brio, pundonor; conformidade do estilo com o assunto”), e, mais, recentemente, Houaiss (recato no comportamento; decência; acatamento das normas morais; dignidade, honradez, pundonor; seriedade nas maneiras; compostura; postura requerida para exercer qualquer cargo ou função, pública ou não). Trata-se, pois, de virtude relativa ao status do agente, envolvendo sempre o exame da adequação ou conformidade entre o ato e as suas circunstâncias. Isso assegura a possibilidade de verificar-se se dada conduta é ou não “decorosa”, de maneira objetiva, em juízo seguro e imparcial, longe do flutuante e incerto mundo das apreciações subjetivas. Assim sendo, quando a Constituição se refere a “decoro parlamentar”, torna-se óbvio que quer significar a forma de comportamento do parlamentar que seja compatível com as responsabilidades das funções que exerce perante a sociedade e o Estado. O status do deputado, em relação ao qual o ato deve ser medido (e será comedido ou decoroso em razão dessa medida) implica, por conseguinte, não só o respeito do parlamentar a si próprio como também ao órgão a que pertence, segundo a fórmula política de Thomasius já lembrada, e de inspiração bíblica: “Faça aos outros o que quer que lhe façam”. No fundo, falta de decoro parlamentar é falta de decência no comportamento pessoal (incontinência de conduta, embriaguez, etc.) ou falta de respeito à dignidade do Poder Legislativo, expondo a instituição, levianamente, a críticas infundadas e injustas. Em relação a esse último aspecto, que nos parece essencial, observa-se que, para que uma crítica ou denúncia formulada por um parlamentar contra a Casa a que pertence, ou contra seus pares, individual ou coletivamente, possa ser considerada indecorosa, não bastam opiniões puramente subjetivas de seus pares, pois podem ser fruto de melindres ofendidos ou constituir mera expressão de contrastes pessoais ou ideológicos, devendo, por conseguinte, ser comprovada a existência de um complexo congruente de elementos objetivos, suscetíveis de ser verificados por um observador imparcial. Quando esses elementos emergem num processo disciplinar , de maneira clara e irretorquível, não há como negar a ocorrência da quebra do decoro parlamentar. Em sua ausência, porém, restará apenas o exercício normal dos poderes-deveres inerentes ao mandato político, muito embora possa produzir efeitos considerados ásperos e injustos pelos demais legisladores atingidos. Os tratadistas norte-americanos, no concernente ao assunto ora examinado, acentuam, a una voce , que a reação do Congresso, ante uma atitude julgada desabonadora de seus foros de poder institucional, deve obedecer a uma gradação que, só em caso extremo, atinge a expulsão. A razão de tanta prudência resulta da natureza mesma da função parlamentar, protegida em sede constitucional pela prerrogativa da inviolabilidade por opinião e palavra, cuja primeira aplicação se dá no seio do Parlamento, nos negócios de sua economia interna. A garantia da inviolabilidade, de validade universal, estabelece como regra geral a ampla liberdade de expressão parlamentar no exercício do mandato, devendo ser tratada como exceção, portanto, a possibilidade de repressão disciplinar por eventuais excessos que possam vir a caracterizar quebra do decoro e da ética parlamentar. Compreende-se, pois, que, para evitar interpretações duvidosas, os constitucionalistas italianos prefiram falar em “normas de correção” (norme di correttezza, no original), às quais são obrigados os parlamentares (Costantino Mortati, Istituzioni di Diritto Pubblico”, 7a ed., Pádua, 1967 vol. 1, pág. 412 e segs.; e Federico Mohrhoff verbete “Camara dei Deputati” in Novissimo Digesto, Italiano, vol. II, pág. 804). O conceito italiano se reduz, no fundo, ao de “decoro parlamentar”, significando correção no exercício do mandato. É o que resulta, aliás, do disposto no art. 1, Seção V, 2, da Constituição dos Estados Unidos da América, que é, sabidamente, a fonte inspiradora do preceito consagrado no Direito Constitucional brasileiro, desde 1891. In verbis: “Cada Casa deve determinar suas próprias regras de procedimento e aplicação de penalidades disciplinares contra seus membros por comportamento desregrado, exigido o voto de pelo menos dois terços para a aplicação da perda do mandato” Friso desonesta por considerar que neste conceito se enquadra o uso indevido de denúncias, mesmo que verdadeiras. Explico-me, considero que determinada denúncia, ou crítica, é desonesta, e portanto passível de caracterizar quebra de decoro parlamentar, quando foi formulada não com o propósito de proteger o bem público, mas sim com mesquinhos interesses privados, com fins de locupletar, ainda que indiretamente, o denunciante. Só nessa hipótese (e com que prudência devemos fazê-lo, por estar em jogo a norma que abroquela nossas opiniões, no interesse do povo!) é que se poderia considerar uma crítica ou denúncia de irregularidade como incompatível com o decoro parlamentar. Ou seja, primeira e primordial condição para que um processo de responsabilidade parlamentar prospere é a existência de um ato que, por sua natureza, possa configurar, objetivamente, uma infração a um dever político determinado. Na hipótese contrária, quando não há correspondência lógica entre o supedâneo fático (para empregarmos o linguajar de Pontes de Miranda) e a norma constitucional invocada, o que surge, sob a aparência de um processo, é o abuso ou desvio de poder, como decorrência do puro querer da maioria. É tendo em conta todas essas premissas que passamos, a seguir, ao exame da matéria constante dos presentes autos, buscando analisar, com justeza e imparcialidade, se há elementos objetivos no processo a autorizar a aplicação da penalidade da perda do mandato ao Representado por procedimento incompatível com o decoro parlamentar. Do Rito Conforme já dissemos acima, o art. 55, II, da Constituição Federal, determina que perderá o mandato o deputado ou senador cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar. Tal mandamento é repetido no art. 240, II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. O rito para o processamento das representações que tenham por objeto a perda de mandato de deputado por falta de decoro parlamentar é estabelecido nas regras do Código de Ética e Decoro Parlamentar e em seu respectivo Regulamento, tendo sido esses os diplomas normativos que nortearam a condução de nossos trabalhos no presente processo. De lembrar-se que a quebra do decoro parlamentar não implica, necessariamente, a existência de conduta delituosa do ponto de vista penal. Não cabe, nessa seara, paralelo com a tipificação de natureza criminal. O juízo sobre o decoro é de natureza eminentemente política, sendo moldado pelo sentimento social do que se deva considerar como ético, moral e correto num determinado momento histórico. Serve, como exemplo, o célebre caso do Deputado Barreto Pinto, de maio de 1949, que culminou com a cassação do parlamentar por se ter permitido fotografar com roupas íntimas. Assim como o juízo do que seja decoroso ou indecoroso não depende de tipificação como infração criminal, também as regras aplicáveis ao processo de apuração dos atos tidos como incompatíveis com o decoro parlamentar têm caráter autônomo em relação às do processo penal, sendo regras processuais ditadas pela própria Casa legislativa. O Supremo Tribunal Federal já emitiu pronunciamento nesse sentido, verbis: “O processo de perda de mandato não é administrativo, nem judicial, mas político, sendo regido por normas interna corporis (MS no 21.360/92, Relator Ministro Néri da Silveira).’ As normas que regulam a matéria são as que integrantes do chamado Direito Parlamentar, consubstanciadas, fundamentalmente, nas regras internas da Casa legislativa, como os regimentos, códigos e demais diplomas por ela aprovados para disciplinar o processo de perda do mandato parlamentar. Da observância dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A Constituição Federal assegura aos litigantes em processo judicial ou administrativo e, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 30, LV). Garante, também, a obediência ao devido processo legal (art. 50, LIV) Esses princípios constitucionais restaram observados, tendo sido seguido rigorosamente o rito previsto nas normas internas da Casa para o processamento do feito, obedecidos os prazos assinalados e franqueado o acesso do Representado e de seus advogados a todos os documentos e peças constantes dos autos. Em nenhum momento houve cerceamento dos direitos do Representado, tendo-lhe sido assegurado o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes. Do apurado nos autos Voltando os olhos à peça inicial, devemos relembrar que a acusação feita ao Representado foi, em síntese, a de que, com a indigitada entrevista concedida ao Jornal “Folha de São Paulo” no último dia 6 de junho, teria ele agido de forma incompatível com o decoro parlamentar, tecendo considerações ofensivas à honra de parlamentares de variados partidos políticos e à imagem e reputação da Câmara dos Deputados com intenção de atender a interesse particular seu: desviar o foco das atenções de si mesmo para outros políticos. A ofensa – imputação de recebimento e distribuição do suposto “mensalão” – da forma como praticada, teria atingido e maculado, talvez irremediavelmente, não só a reputação ilibada dos parlamentares nominados, mas também a credibilidade e o conceito moral da Casa como instituição. Argumentou que ainda, de acordo com o Código de Ética da Casa, “crime” seria omitir informações graves que a Câmara dos Deputados e o País tivessem que conhecer, não tendo sido esse o seu caso. Na peça de defesa apresentada por escrito, insistiu, preliminarmente, na tese da imputação de crime contra a honra e na incompetência do foro do Conselho de Ética para o processo. No mérito, contestou a afirmação de que sua conduta constituiria abuso de prerrogativas constitucionais, alegando que ao noticiar – “aí sim, a prática de atos incompatíveis com o decoro parlamentar” – teria agido no exercício regular de seu mandato e em franca “defesa da ética e do interesse público, zelando pelo prestígio e a valorização das instituições democráticas e prerrogativas do Poder Legislativo, como a todo parlamentar impõe como dever o Código de Ética, art. 3º, I e III.“(grifos do original). No que diz respeito à preliminar levantada pela defesa, esta Relatoria manifesta-se contrariamente ao acolhimento. Parece-nos evidente que a acusação formulada na representação não assume nenhuma conotação de caráter penal, muito ao contrário: ali se parte da premissa de que, justamente por não poder ser responsabilizado penalmente por suas opiniões, palavras e votos, o Representado teria abusado da prerrogativa constitucional da inviolabilidade parlamentar ao fazer afirmações ofensivas à honra da Casa e de seus membros. E a responsabilidade política, como demonstramos na parte introdutória, não se confunde com a responsabilidade criminal, sujeitando-se a conduta do Representado, em caso de abuso, à apreciação e eventual reprovação do ponto de vista da ética e do decoro parlamentar. Quanto ao mérito, será preciso ponderar, para a formação de um juízo imparcial e seguro acerca da procedência ou improcedência da representação aqui examinada, todas as provas trazidas aos autos na busca do esclarecimento e da verdade dos fatos envolvidos na acusação. No depoimento pessoal prestado perante o Conselho, o Representado confirmou, in totum, as denúncias feitas na entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, agregando ao processo, ainda, outros elementos importantes relacionados ao caso, como a menção ao relato que lhe teria sido feito diretamente pelo Sr. Delúbio Soares (e não apenas pelo Líder José Múcio, como afirmara antes) sobre a existência do suposto “mensalão”, e a informação de que o esquema teria sido usado, de início, apenas para incentivar transferências de um partido para outro, só depois vindo a estender-se às votações de interesse do Governo. Fez também, no mesmo depoimento, a grave confissão de ter recebido, para a campanha dos candidatos do PTB às eleições de 2004, recursos não-contabilizados, oriundos das mesmas fontes que, segundo ele, alimentavam o suposto “mensalão”, ou seja, empresas privadas e estatais, com o intermédio do Sr. Marcos Valério de Souza e da cúpula do PT. Ainda durante o depoimento em foco o Conselho assistiu à instauração de uma controvérsia relevante para o processo, tendo o Deputado José Múcio Monteiro, aliado e líder do partido do Representado, usado da palavra para negar uma das afirmações mais contundentes da entrevista e do próprio depoimento: a de que tivesse sido pressionado pelos líderes do PP e do PL, e também pelos integrantes do próprio PTB, para passar a receber o “mensalão”, definido pelo Representado como uma contribuição mensal, no valor de trinta mil reais, distribuída pelo PT aos parlamentares da base do governo, em troca de apoio nas votações da Câmara. Das testemunhas arroladas pela defesa, nenhuma trouxe contribuições seguras que pudessem apontar a participação efetiva dos Deputados nominados pelo Representado no esquema de mesada por ele denunciado. A Sra. Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária do empresário Marcos Valério de Souza, apresentou apenas dados indicativos da existência do relacionamento e dos repasses de dinheiro entre o empresário, apontado pelo Representado como “operador do mensalão”, e a cúpula que então se encontrava na direção do PT. Em relação aos parlamentares citados pelo Representado como tendo ligação com esse grupo, ou como sendo destinatário de recursos por ele repassados como “mensalão”, a testemunha não confirmou nenhum. O testemunho da Sra. Maria Christina Mendes Caldeira revelou-se igualmente insuficiente para comprovar a veracidade das acusações feitas pelo Representado. Não trouxe de concreto ao Conselho senão meras ilações a respeito da existência do “mensalão”, fundadas, basicamente, no teor de uma conversa telefônica da qual escutara somente as falas do ex-marido, o então Deputado Valdemar Costa Neto, comentando com o interlocutor, o Deputado Carlos Rodrigues, a respeito de um determinado esquema de financiamento destinado a aumentar o número de Deputados do Partido Liberal. Supôs, a partir das denúncias do Deputado Roberto Jefferson, que se tratasse do “mensalão”, embora, ao ser inquirida por este Relator sobre a possibilidade de ter havido doações em dinheiro, de caráter periódico, que tivessem relação com votações de interesse do governo em Plenário, tenha admitido não saber. Em relação aos demais fatos narrados no depoimento, como a suposta “operação Taiwan”, destinada a financiar a campanha do então candidato Lula à Presidência da República, ou a apontada “compra” de partidos pequenos pelo PL, visando o aumento das verbas do Fundo Partidário, ou mesmo o vultoso dinheiro guardado no cofre do ex-marido, foram, segundo suas próprias palavras, fatos considerados por ela como “esquisitos”, mas dos quais, segundo ela, só sabia “verdades limitadas”, não tendo chegado a estabelecer conexão direta com o objeto da presente investigação. Registre-se, ademais, que o ex-Deputado Valdemar Costa Neto, no depoimento prestado a este Conselho, preocupou-se em contradizer todas as afirmações feitas pela testemunha. O Sr. Eduardo Medeiros, ex-Diretor de Tecnologia e Informática da Empresa de Correios e Telégrafos, não trouxe também nenhum esclarecimento relacionado às denúncias de recebimento de “mesada” por parte de parlamentares, tendo seu depoimento se circunscrito a relatar fatos ligados apenas ao escândalo dos Correios. Por fim, a última das testemunhas arroladas pela defesa que prestou declarações perante este Conselho, o Governador do Estado de Goiás, Sr. Marconi Perillo, que encaminhou respostas por escrito aos questionamentos formulados, também não pôde confirmar a existência do apontado “mensalão”. Limitou-se a relatar que ouvira da Sra. Deputada Raquel Teixeira menção ao recebimento de suposta oferta em dinheiro, da parte do Deputado Sandro Mabel, para que se filiasse ao PL, oferta essa, entretanto, que restou sem comprovação nos autos, tendo os Deputados em questão apresentado versões contrapostas sobre o fato. Registre-se que o Sr. Benedito Domingos, constante do rol de testemunhas apresentado pela defesa, acabou não comparecendo perante o Conselho para prestar depoimento. Foi notificado, para esse fim, por quatro vezes, tendo-lhe sido marcadas quatro datas diferentes para o comparecimento. O Conselho, na iminência do esgotamento do prazo para o encerramento dos trabalhos e não dispondo do poder de autoridade judicial para conduzir, coercitivamente, a testemunha, comunicou o fato à defesa, sugerindo que, caso ainda houvesse interesse na oitiva, cuidasse de viabilizá-la, independentemente de nova intimação, em data a ser agendada dentro da disponibilidade da testemunha. Não tendo havido resposta, encerrou-se a instrução probatória sem a tomada do depoimento, amparando-se o Conselho em decisões anteriores havidas na Casa e mantidas pelo Supremo Tribunal Federal, de que é exemplo o acórdão proferido no caso do Mandado de Segurança nº 21846-1, que não reconheceu violação do direito de defesa na hipótese de não comparecimento de testemunhas arroladas para depor, uma vez que comissão disciplinar – na época, a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação – “não tem como compelir testemunhas convocadas a prestar depoimento, o que é possível nas Comissões Parlamentares de Inquérito, que têm poderes de investigação próprios de autoridade judiciária”. Entre as testemunhas arroladas por proposta desta Relatoria e acatadas pelo Conselho, o líder da bancada do PTB, Sr. Deputado José Múcio Monteiro, aliado político do Representado e por ele citado algumas vezes em socorro de suas alegações, trouxe as informações mais relevantes, a juízo desta Relatoria, para o esclarecimento dos fatos objeto da presente investigação. Desmontou um dos vértices de sustentação do depoimento do Representado, negando ter recebido qualquer tipo de proposta de “mensalão”, ou sido pressionado pelos líderes Valdemar Costa Neto, Carlos Rodrigues e Pedro Henry a receber dinheiro para apoiar o governo. Negou igualmente a afirmação feita pelo Representado de que houvesse recebido pressão por “mensalão” da parte dos integrantes de sua bancada, assim como não reconheceu o fato, também apontado pelo Deputado Roberto Jefferson, de que o assunto tivesse sido submetido a deliberação em reunião da bancada, admitindo apenas que fora ventilado na sede da liderança na presença de alguns deputados, mas não submetido formalmente a votos. Afirmou que nunca ouvira de nenhum outro parlamentar, além de Roberto Jefferson e dos integrantes do PTB, referência ao recebimento da suposta mesada. Declarou, também, não ter como precisar o que seria essa mesada, quem pagava, quem recebia, a forma, a quantidade. Os demais depoimentos colhidos no curso do processo não trouxeram maiores contribuições para o esclarecimento dos fatos. Os parlamentares citados pelo Representado como supostos pagadores, patrocinadores e beneficiários do esquema do “mensalão”, foram unânimes em negar o recebimento e a distribuição dos recursos, bem como a feitura de propostas nesse sentido a outros parlamentares. O Deputado Miro Teixeira confirmou ter sido comunicado pelo Representado, quando ainda Ministro das Comunicações, da existência do “mensalão”, mas não exatamente nos termos por ele narrados. Relatou, ainda, uma segunda conversa com o Representado após ter deixado o Ministério, ocasião em que o teria conclamado a denunciar o “mensalão” da tribuna da Câmara, ao que o Representado teria refutado, alegando a necessidade de falar, antes, com o Presidente Lula. De todo modo, deixou patente, no depoimento, que sua única fonte de informação a respeito da existência do mencionado esquema residia mesmo na palavra do Representado. A Deputada Raquel Teixeira, apontada pelo Representado como alguém que poderia comprovar a veracidade de suas denúncias, afirmou, efetivamente, ter recebido proposta de pagamento de trinta mil reais mensais – “podendo chegar a cinqüenta mil mensais, dependendo do acerto”, mais um milhão de reais a serem pagos ao final do ano de 2004 – para que se filiasse ao Partido Liberal. Imputou a oferta ao líder Sandro Mabel, mas não deu nenhuma indicação de que esse dinheiro fosse proveniente do caixa do PT ou de estatais, ou que devesse lhe ser repassado por intermédio do empresário Marcos Valério de Souza ou do Sr. Delúbio Soares, tal como, segundo o Representado, supostamente se operaria o “mensalão”. A versão da mencionada testemunha foi contraditada categoricamente pelo Deputado Sandro Mabel em seu depoimento, que negou ter feito a apontada oferta em dinheiro à Deputada Raquel Teixeira. As versões diferentes trazidas pelos depoentes sobre o fato acabou resultando, aos olhos do Conselho, apenas na palavra de um contra a do outro, sem valor de prova mais significativo para o deslinde da controvérsia objeto do presente processo. O Sr. Ministro de Estado do Turismo, Walfrido Mares Guia, em resposta por escrito aos questionamentos que lhe foram formulados, também não trouxe nenhum esclarecimento relevante em favor da defesa ou contrário aos interesses do Representado. Confirmou apenas ter recebido, dele, a notícia da existência do esquema do suposto “mensalão”, em 2004, e também ter estado presente à reunião em que o Presidente da República foi informado do fato pelo Representado – negando, entretanto, que o Presidente, na ocasião, houvesse chorado. Afirmou também que nenhuma outra pessoa lhe falou sobre “mensalão” além do Deputado Roberto Jefferson. Finalmente, o Deputado José Dirceu, última testemunha inquirida, negou praticamente todas as afirmações do Representado relativas a sua pessoa, não reconhecendo, por exemplo, as supostas conversas havidas entre os dois, a presença nas reuniões em que o Presidente Lula teria sido avisado sobre o esquema do “mensalão”, a homologação do acordo financeiro firmado entre o PT e o PTB para as eleições de 2004, a relação com o Sr. Marcos Valério Fernandes de Souza, a existência de sala usada pelo Sr. Sílvio Pereira no Palácio do Planalto para distribuição de cargos do Governo. Negou, veementemente, ser o “cabeça do mensalão”. O depoimento pessoal do Representante, requerido como meio de prova pela defesa, foi o último ato da instrução probatória, não tendo trazido novidades para o feito. O depoente limitou-se, basicamente, a corroborar os termos da Representação e negar as afirmações do Representado e da testemunha Maria Cristina Mendes Caldeira quanto a sua participação no esquema do “mensalão”. Admitiu, apenas, haver recebido recursos não-contabilizados do PT que teriam sido utilizados na campanha eleitoral do Presidente Lula. Entre os documentos acostados aos autos durante a fase de instrução probatória, releva mencionar que a relação de saques acima de cem mil reais feitos nos Bancos do Brasil e Rural, encaminhada ao Conselho sob sigilo pelo Presidente da CPMI dos Correios – relação essa requerida pela defesa como meio de prova de suas alegações – não trouxe também nenhuma comprovação do envolvimento dos Deputados citados pelo Representante como participantes do esquema do “mensalão”. Análise das provas e conclusões Após o exame de todo o apurado no presente processo, a convicção formada por este Relator é a de que o Representado, que deveria comprovar, em benefício de sua defesa, a veracidade das denúncias por ele formuladas publicamente contra partidos e parlamentares na entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, não avançou, no curso do processo, para muito além do discurso que lhe conferiu a notoriedade do momento, não chegando a trazer, efetivamente, elementos de prova da participação dos deputados por ele mencionados no suposto esquema do “mensalão”. Observa-se, em primeiro plano, que seu depoimento pessoal perante o Conselho, apesar de constituir parte da defesa, acabou corroborando algumas das alegações sustentadas na representação. Trazendo a lume os fatos que o teriam levado a procurar o jornal para fazer suas denúncias, o Representado praticamente confessou o dolo, a intenção de agir, que lhe é imputada pela acusação: buscava defender interesse privado seu ao apresentar tais denúncias, pretendendo apenas tirar de si mesmo – principal personagem envolvido no escândalo de corrupção nos Correios – o foco das atenções públicas, direcionando-o para outros políticos e parlamentares. Relembrando suas palavras no depoimento: “Na véspera da primeira entrevista que dei à jornalista Renata Lo Prete, na Folha de São Paulo, circulava no meio eletrônico que o Ministro da Justiça faria um pronunciamento à Nação – isso era véspera da reunião que ia decidir a CPI – esclarecendo a corrupção, e ela estava nos Correios, na Eletronorte e no IRB. Mais uma vez chamei os companheiros do partido e disse: olha aqui, ele [o governo] vai enterrar a CPI para salvar a cara de alguns do PT. (…) Estão tentando salvar a cara e nos enterrando, por que eu sempre disse isso ao meu partido: essa gente não tem coração, só tem cabeça. Essa gente do PT não é leal, nos usa como um sapo para atravessar o rio, e sempre nos dão uma ferroadinha. (…) Só que essa é tão forte que pode levar o sapo para o fundo do rio, mas vai levar esses escorpiões da cúpula junto, não tenho dúvida disso. (…) A mãe de meus filhos e avó de meus netos me liga no sábado – porque o jornal oficial, da imprensa oficial, O Globo, sai sábado; o jornal de domingo sai sábado à tarde no Rio de Janeiro – e diz: a matéria tem oito páginas para te destruir. E me mostrou a matéria da revista Época, com três páginas, para me destruir. Como não percebi, por parte da cúpula de meu partido, apoio, liguei para minha assessoria de imprensa e perguntei se na Folha de São Paulo havia interesse para que eu pudesse dar essa matéria. (…) Por que fiz hoje? Porque percebi nitidamente uma ação articulada pela Casa Civil, pela ABIN, para colocar no colo do PTB o cadáver da corrupção nos Correios. (…) quando me senti acuado, parti para a denúncia.” (grifamos) Reportando-se, mais adiante, especificamente aos termos da representação, repeliu a acusação de que tivesse agido em desacordo com os princípios da ética e do decoro parlamentar, verbis: “Diz o Código de Ética da nossa Casa que o crime é omitir informações graves que a Câmara dos Deputados e o Brasil tenham de conhecer. Quero dizer aos senhores que eu não omiti.” Mas como não? Segundo confessado ao longo do mesmo depoimento, sabia do suposto esquema do “mensalão” desde agosto de 2003. Inquirido sobre o motivo por que não fizera a denúncia pública anteriormente, aduziu – demonstrando pautar-se em valores éticos distanciados do senso comum – que “nem sempre a gente deve escancarar tudo, se a gente pode resolver pela negociação, pela conscientização”. Houvesse ainda a possibilidade de uma saída negociada, acrescentou mais à frente, não teria denunciado o “mensalão”. “Em política”, afirmou, “a gente deve tentar ajeitar Ou seja: ao fazer as acusações publicadas na entrevista, o Representado não agiu, verdadeiramente, “em franca defesa da ética e do interesse público, zelando pelo prestígio e a valorização das instituições democráticas e prerrogativas do Poder Legislativo”, como pretendeu fazer crer sua peça de defesa escrita. O interesse que procurava defender, naquelas circunstâncias, era única e exclusivamente o seu. Deixou de se omitir, a partir dali, não por convicção do dever de ofício, mas por se tratar da estratégia de defesa política escolhida para enfrentar as acusações de envolvimento em atos de corrupção que pesavam sobre sua pessoa na ocasião. A conduta do Representado, já contaminada do ponto de vista ético por essa intenção evidentemente ilegítima de transferir a outrem, apenas para sair do foco, o ônus da exposição pública, revelou-se irremediavelmente reprovável, aos olhos deste Relator, em face da não-comprovação, nos autos, da efetiva participação dos Deputados por ele nominados no indigitado esquema do “mensalão”. Diga-se, de passagem, que não estamos excluindo a possibilidade da existência, ou não, do esquema de corrupção denunciado pelo Representado – o denominado “mensalão” -, que está sendo objeto da devida apuração, como é notório, em duas comissões parlamentares mistas de inquérito, cujos desfechos ainda são aguardados. É preciso deixar claro, no entanto, que no presente processo, não conseguiu o Representado provar a participação dos parlamentares que apontou no referido esquema do “mensalão”, o que dá sustentação à tese da acusação de que agiu de forma leviana e irresponsável ao fazer, sem provas, tais acusações, atingindo gravemente, além da honra pessoal dos parlamentares citados e de todos os integrantes do PP e do PL, arrastados na lama da generalização, a dignidade e a imagem pública da Casa como instituição. A riqueza de detalhes com que descreveu, sem provas – “provas não tenho a exibir; eu sou testemunha. É o meu mandato” – o suposto esquema de pagamento de propina aos parlamentares daqueles partidos, especificando quantia (30 mil reais), regularidade (mensal) e moeda de troca (o apoio ao Governo nas votações de seu interesse); a forma como colocou palavras indecorosas na boca dos supostos beneficiários, relatando como pressionavam outros parlamentares para participar do esquema – “Aqui, vem pra cá, seu otário. Ah, aqui, oh, tá na mala. Vocês não têm, aqui tem” – a afirmação de que determinados parlamentares por ele mencionados, por serem homens honrados e de currículo ilibado, estariam acima de qualquer suspeita de participação no esquema, fazendo recair, a contrario sensu, a sombra da suspeição sobre todos os não-expressamente mencionados; a sugestão de conivência generalizada de todos os integrantes da Casa com o indigitado esquema -“é voz corrente em cada canto desta Casa, em cada fundo de plenário, em cada gabinete, em cada banheiro [o “mensalão”]” –, todos esses fatores, em conjunto, formaram neste Relator a inarredável convicção de que o Representado abusou, sim, da prerrogativa constitucional da inviolabilidade para obter proveito próprio, afastando-se do cenário desfavorável em que se encontrava a partir das denúncias de corrupção incidentes sobre sua pessoa. É inquestionável que os fatos por ele apontados à imprensa constituíram elemento importante para a abertura dos processos de apuração de desvios de dinheiro público e outras ilicitudes atribuíveis a personalidades dos Poderes Executivo e Legislativo, de partidos políticos e do setor empresarial. O povo brasileiro exige apuração e punição dos responsáveis. Por outro lado, o fato de ter trazido à baila tantas mazelas não o exime de responder, perante a Casa, pelos excessos cometidos que atingiram, injusta e irresponsavelmente, a honra e a imagem da instituição e a dignidade pessoal de seus integrantes. De lembrar-se que o Representado, mesmo considerando que a imprensa “julga, acusa…Ah, não investiga…Ela tem todos os poderes: investiga, acusa, julga e executa, em uma semana. Não se importa. Não tem responsabilidade com o que diz, quer destroçar, para vender. É um campeonato de sangue” – mesmo reconhecendo isso publicamente como fez no depoimento prestado a este Conselho, não hesitou em procurar, para a apresentação de suas denúncias, não os órgãos de investigação da Casa ou o Ministério Público, mas um jornal de grande circulação nacional, sem se preocupar com os danos e injustiças que eventualmente poderiam advir com o “campeonato de sangue” com o qual passaria, a partir dali, a patrocinar. O curso do presente processo disciplinar revelou, aliás, que o Representado não pauta mesmo seu comportamento de homem público pelos padrões ético-jurídicos normais vigentes. Seu parâmetro de moralidade pública agrediu, por mais de uma vez, o senso ético comum dos membros do Conselho, que questionaram seu juízo um tanto beneplácito, por exemplo, para com o recebimento de dinheiro “não-contabilizado” (o famoso “caixa dois”) para campanhas eleitorais, proveniente de estatais e de empresas privadas que mantêm contratos com o governo. De registrar-se, por exemplo, que quando indagado por este Relator a respeito da origem dos recursos (no valor total de 4 milhões de reais) que confessara receber irregularmente do PT para as campanhas de seu partido, o Representado admitiu que deveriam provir exatamente das mesmas fontes empregadas para alimentar o suposto mensalão - empresas privadas que mantêm contratos com o governo – não vendo no fato, entretanto, senão uma prática eleitoral corriqueira, não-reprovável. Relembremos essa parte do depoimento, textualmente: “O Sr. Deputado JAIRO CARNEIRO – Qual a origem dos recursos utilizados para o pagamento do mensalão? O Sr. Deputado ROBERTO JEFFERSON – Tenho que perguntar isso ao Genoíno e ao Delúbio. (pausa) Mas, pelo que ouvi da conversa com Marcos Valério, quando ele foi levar recursos ao PTB na eleição, ele faz via agência de publicidade, na relação de contratos que tem com algumas empresas de Governo. (pausa) Marcos Valério. Quero que o senhor guarde esse nome; um carequinha lá de Belo Horizonte. (…) O Sr. Deputado JAIRO CARNEIRO – A respeito da contribuição para a campanha do PTB, V. Exa. aceitou as contribuições. O Sr. Deputado ROBERTO JEFFERSON – Sim. O Sr. Deputado ROBERTO JEFFERSON – Eu penso que é dessa relação de empresa privada com empresa do governo. O Sr. Deputado ROBERTO JEFFERSON – Explico a V.Exa. Não há partido nenhum aqui que faça diferente, nem o de V.Exa. Nenhum partido aqui, recebe ajuda na eleição que não seja assim; nenhum. Eu tenho a coragem de dizer de público aqui: Eu não aluguei o meu partido, não fiz dele um exército mercenário nem transformei os meus colegas de bancada em homens de aluguel, mas eu sei de onde vêm os recursos das eleições e todos sabem. Aqui, todos sabem de onde vêm. Só que nós temos a hipocrisia de não confessar ao Brasil. Eu estou assumindo isso, aqui. E faço como pessoa física, faço como Roberto Jefferson. Os dinheiros vêm dos empresários que, a maioria das vezes, mantêm relação com as empresas públicas. É assim e sempre foi”. Os protestos de alguns deputados presentes, inclusive o deste Relator, obrigaram o Representado, mais adiante, a voltar atrás no que se refere à imputação generalizada da prática do “caixa dois” às campanhas de todos os parlamentares. Não retirou, porém, o juízo emitido a respeito, divorciado dos padrões comuns de ética e moralidade que se poderiam esperar de um homem de vida pública. Demonstrou, ali, usar de dois pesos e duas medidas para avalizar ou repelir condutas absolutamente idênticas do ponto de vista da reprovabilidade social e ética. Tratava-se, afinal, num ou noutro caso, de recebimento irregular de recursos públicos desviados diretamente de empresas estatais ou captados, como propina, dos contratos de empresas que mantêm contratos com o poder público. Aliás, com relação a esse último tipo de desvio, na instrução do presente processo, o Deputado Representado confessou, sem maiores brios, perante este Conselho, como se se tratasse de prática absolutamente normal e aceitável, que as indicações partidárias para a direção de estatais deveriam reverter em benefícios financeiros para os partidos autores das indicações. O caso relatado do IRB, quando era presidente então o Sr. Lídio Duarte, foi um exemplo disso. Ou seja, segundo a irregular e, porque não dizermos, condenável lógica do Representado, os partidos políticos lutam, engalfinham-se, para indicar dirigentes para os mais diversos órgãos da administração pública não para dar seguimento a suas políticas partidárias, para dar voz a suas bandeiras no tocante à direção do Estado, mas para conseguir dinheiro destinado à formação de “caixa dois”. É o que qualquer pessoa de mínimo bom senso pode depreender de suas pregações. Renego, da forma mais profunda e peremptória possível, essa lógica que reputo aberrante afronta à ética. A vida pública rejeita a lógica do poder pelo poder. A vida pública só se justifica quando entendemos poder contribuir para com o desenvolvimento da sociedade, dentro da especial visão que cada um de nós pode ter do “bem comum”. Quando um parlamentar declara ser “normal” o uso do Estado para fins escusos, está ipso facto confessando que não tem decoro para estar no Parlamento, para integrar a instituição. “Falta de decoro é o procedimento humano que contraria os normais padrões ético-jurídicos, vigentes em determinado lugar e época. Decoro é a conduta irrepreensível, que se rotula, na prática, com a expressão ‘pessoa de ilibada reputação’. Decoro parlamentar é a conduta do congressista conforme os parâmetros morais e jurídicos, que vigoram, em determinada época e no grupo social em que vive.” (José Cretella Jr., Comentários à Constituição de 1988, p. 2.660). Voto Por todo o exposto é que, convictos de que o proceder do Representado revelou-se incompatível com a ética e o decoro parlamentar ao ofender, levianamente, a honra de seus pares e a dignidade da instituição Câmara dos Deputados, abusando da prerrogativa constitucional da inviolabilidade, não tendo comprovado a participação, dos deputados que citou, no esquema do “mensalão”, o nosso voto é no sentido da procedência da Representação nº 28/05, recomendando ao Plenário a aplicação da penalidade da pena de perda do mandato ao Representado. Este relator também está convencido de que o Representado cometeu outras faltas igualmente incompatíveis com o decoro parlamentar, outrossim justificadoras da aplicação da pena de perda de mandato, trazidas pelo mesmo aos autos ao confessar a prática de atos intimamente conexos e interligados com os narrados na representação, como a percepção de vantagens indevidas de empresas privadas e órgãos públicos. Atos que, inclusive, podem configurar delitos tipificados na legislação brasileira. É o meu voto. Srs. Conselheiros: Considero elevada honra e privilégio poder ser distinguido pela deferência e confiança do eminente Deputado Ricardo Izar e por todos os dignos pares com a nossa designação e com a demonstração incontestável do senso de responsabilidade e patriotismo com que todos se houveram durante a realização dessa nobre e árdua missão. Estamos cumprindo nosso dever com a Pátria. Peço, ainda, a compreensão dos senhores para manifestar o profundo reconhecimento ao elevado nível de colaboração técnica e profissional da Consultoria Legislativa desta Casa nas pessoas dos Srs. Consultores Luciana Botelho Pacheco, Luciana Peçanha Martins, José Theodoro M. Menck. Nossos agradecimentos, de igual modo, ao valoroso apoio da Secretaria do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar que homenageio na pessoa da Sra. Secretária Teresinha de Lisieux Franco Miranda. Sala das reuniões, em 25 de agosto de 2005. Deputado Jairo Carneiro
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