Fabrício Trindade de Sousa *
Está a cargo do Senado Federal analisar o Projeto de Lei 4330/04, que regulamenta a terceirização no Brasil. O projeto, que já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, é polêmico em virtude da discussão polarizada entre os que defendem a criação de empregos e os que a atacam a precarização do trabalho.
Trata-se de argumentação rasa e alheia aos múltiplos efeitos que a aprovação do projeto trará para empresas e trabalhadores. O primeiro aspecto de indiscutível relevância é o advento da regulamentação da terceirização no Brasil. As relações de trabalho terceirizadas, salvo situações especialíssimas, que possuem legislação específica (concessionárias de energia elétrica e telefonia, ilustrativamente) são regidas pela Súmula de Jurisprudência n.º 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que, em linhas gerais, autoriza a terceirização de atividade-meio e impede a terceirização de atividade-fim.
A eficácia da Súmula se encontra sob análise do Supremo Tribunal Federal, que na decisão que reconheceu repercussão geral da matéria, de relatoria do ministro Luiz Fux, ponderou que “a proibição genérica de terceirização calcada em interpretação jurisprudencial do que seria atividade-fim pode interferir no direito fundamental de livre iniciativa, criando, em possível ofensa direta ao artigo 5º, inciso II, da Constituição, obrigação não fundada em lei capaz de esvaziar a liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entenda ser mais eficiente”.
Não há um conceito preciso que defina ou diferencie atividade-meio de atividade-fim. Tal lacuna demanda uma análise casuística e não raras vezes resulta em decisões no mínimo curiosas, ao ponto de a Justiça do Trabalho entender que o serviço de call center é “atividade-meio” para um empresa de energia elétrica e “atividade-fim” para uma empresa de telefonia.
Denota-se que tal diferenciação demanda análise individualizada de todo e qualquer serviço terceirizado, sob a ótica dos mais diversos setores da nossa economia, resultando em insegurança jurídica manifesta, bem como em sobrecarga de processos na Justiça do Trabalho para apreciação da licitude da terceirização.
O PL 4330/04 sepulta tal controvérsia, disciplinando em seu artigo 4º ser “lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante”. A nova legislação observa o princípio constitucional da livre iniciativa e, naturalmente, impulsiona a abertura de novos postos de trabalho, oriundos das empresas que já ansiavam por tais trabalhadores e, entretanto, suspenderam a contratação em razão da insegurança jurídica dos contratos de terceirização até então firmados.
Outro fator que deve ser exaltado é a impossibilidade de mera intermediação de mão de obra, só se permitindo contratar empresas especializadas em determinada atividade. O efeito prático será a maior especialização de tarefas com a consequente necessidade de constante qualificação dos trabalhadores. A decisão de terceirização de determinado serviço não se baseará apenas nos custos envolvidos, mas no valor agregado que o processo gerará para a empresa contratante.
Os críticos ao projeto sustentam que as novas vagas são, em verdade, oportunidades de trabalho precário, “inferior” aos cargos ocupados por trabalhadores contratados diretamente pelas empresas. A afirmação é insustentável. Denota-se, preliminarmente, que os que desqualificam o trabalho terceirizado são os que estão empregados, capitaneados pelos sindicatos e centrais sindicais. Os desempregados clamam por empregos. Os empregos gerados são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e conferem aos trabalhadores terceirizados os mesmos direitos dos trabalhadores não terceirizados. Os trabalhadores terceirizados, em verdade, possuem garantia adicional, uma vez que o PL 4330/04 confere responsabilidade subsidiária e/ou solidária do contratante. Em outras palavras, caso a empresa terceirizada não honre as obrigações trabalhistas, o empregado terceirizado pode acionar a contratante para receber seus direitos.
Os que demonizam o projeto também argumentam que os trabalhadores terceirizados não são devidamente treinados, circunstância que acarreta elevado número de acidentes de trabalho, com alto número de mortes. O dado estatístico é correto. Há, efetivamente, um grande número de acidentes de trabalho com trabalhadores terceirizados. Entretanto, o problema não está na terceirização, mas na ausência de fiscalização e intervenção em empresas inabilitadas para a prestação de serviços. Em síntese, precisamos buscar a cura para a doença, não matar o paciente.
O PL 4330/04, sensível ao problema, assegura aos trabalhadores treinamento habitual, instalações adequadas à prestação de serviços, atendimento médico ou ambulatorial e adoção de medidas de proteção à saúde e segurança no trabalho, sendo solidariamente responsáveis as empresas contratantes e contratadas.
Houve, de igual forma, a preocupação com a representação sindical dos trabalhadores terceirizados, garantindo igualdade de representação sindical entre empregados próprios e terceirizados da mesma categoria econômica. Em outras palavras, os direitos previstos na CLT e em negociação coletiva são os mesmos, refutando a alegação de precarização.
Subiste ainda o argumento consubstanciado na menor remuneração do trabalhador terceirizado. Não se trata de uma regra, mas há, atualmente, uma predominância de valores inferiores. Ocorre que a definição de salários não resulta da condição de terceiro, mas sim da atividade desempenhada, seja ela por empregado próprio ou não. O valor do salário é diretamente proporcional à qualificação do trabalhador e à relevância da atividade desempenhada para a economia.
Também não se pode olvidar o fator insegurança jurídica, que inibe o desenvolvimento das carreiras oriundas da terceirização. Há novo erro de foco nas críticas ofertadas. O problema não é a terceirização, mas a carência de trabalhadores qualificados. Quanto maior a especialização, mais qualificados serão os trabalhadores e melhores serão os salários.
Países desenvolvidos tendem a carecer de mão de obra especializada em serviços técnicos, valendo-se de imigrantes ou estrangeiros para tais atividades (call center na Índia). É preciso ter a humildade de reconhecer que estamos distantes de tal cenário e nos valermos da terceirização para avançarmos em tal sentido.
Certa vez, palestrando sobre o tema, fui abordado por um empresário com o intuito de contratar trabalhadores angolanos para serviços de call center, descartando os indianos em razão da ausência de fluência do consumidor brasileiro na língua inglesa (a Índia é, atualmente, o maior centro global de serviços de call center, atendendo países de língua inglesa). Não deixemos que tal iniciativa se concretize.
* Especialista em Direito Trabalhista com pós graduação latu senso em Direito Processual Civil e em Direito Material e Processual do Trabalho. É autor do livro A evolução do futebol e das normas que o regulamentam: aspectos trabalhistas-desportivos.
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