João Batista Araujo e Oliveira *
O título, que corresponde ao do livro que acabo de publicar, reflete bem a proposta: é preciso repensar a educação brasileira, a partir de novos critérios. O Brasil poderia avançar muito se, ao invés de perder-se em infindáveis discussões ideológicas, adotasse como critério para o debate as evidências científicas sobre o que funciona em educação e as melhores práticas adotadas pelos países de maior êxito. Foi assim que a maioria dos países desenvolvidos veio implementando suas reformas educativas nas últimas décadas.
Por que é preciso repensar a educação? A primeira resposta é objeto de consenso nacional: a escola pública brasileira não funciona e a escola particular não é lá essas coisas. As notas no PISA e nos testes nacionais não deixam dúvida quanto a isso.
Mas o livro aprofunda o diagnóstico: ele analisa as causas dos problemas. Essas se dividem em três grandes grandes grupos. A primeira causa dos problemas é a questão cultural. A escola sempre serviu para transmitir o patrimônio cultural acumulado pela humanidade. No mundo pós-moderno a ideia de cultura vem sendo colocada em xeque, e tornando-se mais objeto de consumo do que um patrimônio, algo valioso e feito para durar. A ideia da escola também foi colocada em xeque – de um lado trazendo para ela milhares de problemas que ela não consegue resolver, de outro retirando dela a sua função principal, que é transmitir os conhecimentos acumulados pelo patrimônio cultural da humanidade. Com isso a escola e os professores perdem sua autoridade. Sem um consenso mínimo a respeito do que seja a escola e o que se espera dela dificilmente poderemos avançar. Em todos os países em que a educação funciona, mesmo no mundo pós-moderno, a função primordial da escola é a de transmitir conhecimentos considerados fundamentais, estruturadas em disciplinas, e de uma forma que permita ao indivíduo avançar esse conhecimento por meio do exercício da razão. É daí que deriva o papel da escola e a autoridade do professor. Sem isso é difícil avançar.
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A segunda causa refere-se à falta de pressão social: a população brasileira está satisfeita com a educação. A escola oferecida aos filhos da maioria da população é muito melhor da escola que eles tiveram, ou a que abandonaram. Mesmo que os resultados sejam pífios, esse fato é inegável. Já a classe média e as elites se contentam em alcançar um diferencial apenas um pouquinho melhor do que a massa – isso é o suficiente para garantir seus privilégios. Poranto, não há pressão social para melhorar. E sem isso é difícil que os governos se mobilizem.
O terceiro conjunto de causas relaciona-se com o jeito brasileiro de governar: o modelo de expansão sem qualidade, os desarranjos do federalismo, a ineficiência causada pelos mecanismos de financiamento, a força do corporativismo e do clientelismo e, sobretudo, a falta de um conjunto de instituições que constituem o cerne de qualquer projeto educativo.
Para além do diagnóstico, e com base nos critérios de evidências e melhores práticas, o livro propõe um conjunto de mecanismos ou instituições que deveriam se constituir como pilares de um projeto nacional de educação. Entre eles se inserem questões como a de uma política para atrair e formar docentes e gestores, currículos adequados, políticas integradas para a primeira infância, diversificação do ensino médio, avaliação, formas adequadas de financiamento e de articulação entre os níveis da federação. Não se trata de criar programas ou projetos efêmeros – trata-se de estimular o desenvolvimento de instituições, a partir de valores compartilhados e de mecanismos institucionais que assegurem a vitalidade permanente de políticas e práticas educativas. Nesse campo, o Brasil possui pouco consenso e pouquíssimas instituições. É território a ser desbravado.
O sucesso de qualquer reforma educativa se mede pela sua capacidade de alterar o que acontece dentro da sala de aula. E esta também é a grande dificuldade de qualquer reforma – chegar ao destino. Mesmo reconhecendo os desafios e entraves para o sucesso de qualquer reforma, o livro aponta alguns caminhos que – com base em instituições sólidas – poderiam contribuir para iniciar um processo de melhoria da qualidade da educação no Brasil. Entre esses incluem-se sugestões para repensar a questão do magistério, políticas adequadas para cada nível de ensino, formas inovadoras de financiamento e de estímulo à inovação e novos papéis para os diferentes níveis de governo.
Esta é a proposta deste livro. Sem qualquer ambição de oferecer “a solução”, propomos um debate a respeito das escolas que temos, dos fundamentos de um projeto educacional apoiado num conceito minimamente adequado de Escola e nas possibilidades e limites que temos para repensar essa instituição.
Nossas crianças e jovens não estão aprendendo como deveriam e poderiam, estão sendo privados de participar dos benefícios e oportunidades oferecidas aqui e fora de nosso país, mas, sobretudo, estão sendo privados de uma educação que lhes permita fazer melhor do que fez a nossa geração. É nossa responsabilidade ajudar a encontrar e corrigir os rumos. Por isso, este livro serve também de alerta, convite e convocação ao debate.
* João Batista Araujo e Oliveira dedicou sua vida à educação. Sua trajetória tem início com a participação na criação de escolas noturnas para adultos, na década de 1960. Como professor, lecionou na Rede Pública de Ensino do Estado de Minas Gerais, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na COPPEAD/UFRJ e e na Université de Bourgogne (França). Foi funcionário da OIT em Genebra e do Banco Mundial em Washington, além de Secretário Executivo do MEC. É presidente do Instituto Alfa e Beto (IAB) e autor de cerca de 30 livros.
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