Bruna Clemente Gontijo*
Sou do interior. De uma cidade de chão até pouco tempo batido, da fala mansa e do sotaque carregado de “R” e de expressões como “uai”,”sô” e “trem”. Mineirinha orgulhosa, nasci em uma região próspera do Centro-Oeste de Minas.
Somos um povo simples, que sabe acolher um visitante ou amigo distante, e o faz com muito afeto. A receptividade é própria do mineiro que se sente feliz em ver o outro contente, mas já a simplicidade de meus conterrâneos vem de nossas origens.
Segundo narra a história, surgimos de uma antiga colônia de refúgio de escravos. O primeiro bairro, nomeado Ana Rosa, vulgo “Tabatinga”, acolhia as famílias que se encontravam perdidas após a abolição da escravatura.
Apesar das dificuldades das pessoas que lá vivem, elas carregam no sangue uma história evidenciada por um dialeto falado em tempos remotos por toda a comunidade e que hoje sobrevive na memória de poucos.
A “Língua da Tabatinga” ou “Língua do Negro da Costa”, pouco conhecida pelos demais moradores, é herança de uma época em que os escravos de origem africana enganavam seus donos ao conversarem de uma forma que somente os negros entendiam.
A principal representante Dona Fiota, filha de antigos escravos e falecida há pouco menos de um ano, cedeu, em vida, entrevistas que foram alvo de pesquisas de universidades famosas do Estado, além disso, parte da Tabatinga foi tombada como região quilombola.
É importante ressaltar que a Fundação Guimarães Rosa desenvolveu um trabalho para divulgar e preservar o patrimônio imaterial que essa língua representa para nossa região. Uma de suas pesquisadoras certa vez afirmou “a cidade de Bom Despacho não possui patrimônio histórico ou material comparável ao das cidades históricas mineiras, todavia possui um importante e bastante raro patrimônio imaterial: preservou-se uma língua de origem africana, fenômeno que ocorreu com raridade, mesmo nas comunidades quilombolas detectadas Brasil afora”.
A Fundação publicou cartilhas destinadas ao público infantil contando as histórias da Dona Fiota, da língua da Tabatinga, de Bom Despacho, porém, muitos moradores ainda desconhecem tal fato.
Por conhecer apenas algumas palavras da língua, que ouvia de meus avós e pais,quando pequena, infelizmente não conseguirei transmiti-la aos meus descendentes. Mesmo assim, creio que ela mereça ser perpetuada, ensinada em escolas e acolhida pelas crianças, “camoninhos” no dialeto.
Tenho a esperança que essa gente simples, da minha pacata Bom Despacho, “cumbaro” de gente humilde e ignorada, há de ser lembrada pela sua vontade de construir parte da história de seu país. Até lá, um abraço e um beijo. Com toda a licença, vou assar meu pão de queijo.
*Bruna Clemente Gontijo, 17 anos, é estudante do Colégio da Polícia Militar de Minas Gerais, em Bom Despacho (MG). O texto acima obteve o 2º lugar entre as redações do Projeto Jovem Senador 2012, que teve como tema “Meu município, meu Brasil”.
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