Ricardo Ramos |
Menos de um mês após se juntar à senadora Heloísa Helena (AL) na trincheira oposicionista capitaneada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSol) no Senado, o senador Geraldo Mesquita Júnior (AC) teve sua primeira prova de fogo na semana passada. Mas, antes mesmo de virar sua artilharia para o governo Lula – o qual apoiou até o final do ano passado –, Mesquita foi atingido em cheio pela denúncia de que empregaria nada menos do que nove parentes em seu gabinete no Senado. O acreano acusou o golpe. Apontado na imprensa como o campeão do nepotismo, decidiu tomar uma decisão radical: demitiu 12 auxiliares, de uma só vez, na última quarta-feira. Nem todos, argumenta, eram seus parentes. “Havia duas ou três pessoas com vínculo de parentesco comigo, mas nenhuma estava ganhando sem trabalhar. Todas trabalhavam intensamente”, ressalta. Com os olhos e os ombros visivelmente recolhidos durante quase toda a entrevista, o senador diz que errou e que vai apoiar a proposta de Heloísa Helena de modificar a Constituição para proibir a contratação de parentes no serviço público nos três Poderes, apesar de identificar uma “hipocrisia” na discussão do assunto. “As mulheres dos ministros (do governo Lula), por exemplo, estão trabalhando ali e acolá. É preciso parar de encarar essas coisas (nepotismo) com certa hipocrisia e histeria”, pondera. Publicidade
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“Quando aqui cheguei, disseram-me que era uma coisa natural (contratar parentes). Claro, eu deveria ter refletido mais sobre a questão. Não é porque as pessoas disseram é que natural que eu tenho de admitir as coisas como definitivas e corretas”, reconhece. Recém-desfiliado do governista PSB, o senador critica o seu mais novo desafeto, o governador do Acre, Jorge Vianna (PT), de quem foi chefe de gabinete e secretário estadual. “Havia um papel de fundo, que era o de promover o chamado desenvolvimento sustentável e incluir socialmente as pessoas que lá vivem numa absoluta miséria. Aí ele falhou”, diz. PublicidadeMesquita também ataca o PSB, que teria renunciado a um projeto nacional em favor do PT. “Ele (o PSB) se conformou em gravitar na periferia da periferia da periferia do poder, e está se dando por satisfeito com isso. O PSB não tem uma atuação nacional. Isso é uma vergonha”, protesta. Entusiasta da candidatura de Heloísa Helena à sucessão presidencial em 2006, Mesquita diz que a senadora alagoana pode canalizar a insatisfação popular com Luiz Inácio Lula da Silva e retomar bandeiras históricas abandonadas pelo PT. “A coisa agora está clara: o projeto do PT é social-democrata, como é o do PSDB. É um projeto que tem diferenças de operação, mas o objetivo é o mesmo.” Apesar de ainda não ser reconhecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PSol divide hoje com o próprio PSB a condição de oitava bancada no Senado, com dois representantes. O partido possui uma cadeira a mais, por exemplo, do que o PPS na Casa onde o PP, de Severino Cavalcanti (PE), ainda não dispõe de nenhum assento. Congresso em Foco – Na semana passada, o senhor demitiu parentes que trabalhavam em seu gabinete depois da publicação de reportagens veiculadas pela imprensa. O senhor vai encampar o projeto da senadora Heloísa Helena (PSol-AL) que propõe acabar com o nepotismo nos três poderes? Geraldo Mesquita – É claro. Reconheço que agi com uma certa desatenção em relação a um assunto que é tão importante para a sociedade brasileira. Quando aqui cheguei, disseram-me que era uma coisa natural (contratar parentes). Claro, eu deveria ter refletido mais sobre a questão. Não é porque as pessoas disseram que é natural que eu tenho de admitir as coisas como definitivas e corretas. Nesse ponto eu me equivoquei. Mas a coisa foi colocada de uma maneira que deu uma dimensão bem maior aos fatos. Eu não tinha nove parentes empregados no gabinete. Havia duas ou três pessoas com vínculo de parentesco comigo, mas nenhuma estava ganhando sem trabalhar. Todas trabalhavam intensamente. Por que, então, o senhor resolveu demitir 12 pessoas de uma só vez do seu gabinete, já que nem todas eram de sua família? Foi pra me sentir à vontade até para falar do assunto e recomeçar do zero. Depois que a história é carimbada pela imprensa, não adianta. Tive de demitir do meu gabinete um rapaz que me ajudou muito, um profissional sério e compenetrado, primo do senador Tião Vianna (PT-AC). Ele estava aqui a pedido do senador, inclusive. Acabou sobrando para pessoas que não tinham nada a ver com a história. O próprio jornalista do Acre que forneceu as informações ao Jornal do Brasil havia me pedido, desde o início, para colocar aqui uma sobrinha dele, que me ajudou muito. O senador Tião Vianna ainda havia me pedido para colocar uma moça que é filha de um grande amigo nosso do Acre. Então, o que eu fiz? Além de exonerar os nove, tomei a decisão radical de exonerar todos aqueles que foram objeto de indicações políticas, para agora poder dar uma contribuição honesta, sólida e firme sobre esse assunto. “As mulheres dos ministros (do governo Lula), por exemplo, estão trabalhando ali e acolá. É preciso parar de encarar essas coisas (nepotismo) com certa hipocrisia e histeria” O senhor acredita na possibilidade de se aprovar uma proposta que proíba o nepotismo nos três Poderes? Acho difícil, porque isso é como uma onda. Vem uma, e daqui a pouco a gente esquece. E a prática continua rolando. O que não é, diga-se de passagem, só no Legislativo. As mulheres dos ministros (do governo Lula), por exemplo, estão trabalhando ali e acolá. É preciso parar de encarar essas coisas com certa hipocrisia e histeria. É o caso de estabelecermos uma legislação básica que impeça realmente a prática. Definir com precisão o que é nepotismo. Não estou aqui me defendendo. Creio que nepotismo é usar parentes em cargos (públicos), em situações em que se tenha alguma ascendência funcional, para se beneficiar pessoalmente dessa situação. A gente sabe – e não é só no parlamento – que há casos de pessoas que, ao final do mês, entregam parte de suas gratificações para o seu empregador e ficam com uma mixaria. Isso, sim, é nepotismo. Temos de acabar com a hipocrisia. Tratar disso com responsabilidade e seriedade e colocar um ponto-final nessa história, para que a população brasileira volte a ter confiança nos seus governantes e legisladores. Congresso em Foco – Qual o motivo de sua migração do PSB para o PSol? Eu vinha tendo dificuldades no PSB. Percebi um desvio de propósito por parte do governo Lula. No meu estado, esse desvio foi operado pelo governador Jorge Vianna. Ele liderava um processo que, em sua origem, tinha por objetivo restaurar a institucionalidade do Acre. Nesse ponto, ele cumpriu seu papel. Mas havia um papel de fundo, que era o de promover o chamado desenvolvimento sustentável e incluir socialmente as pessoas que lá vivem numa absoluta miséria. Aí ele falhou. Ele não colocou o estado no papel que lhe cabe, que é o de indutor do crescimento e do desenvolvimento. O estado tinha que estabelecer uma forte parceira com o setor produtivo, porque senão as coisas não mudam de qualidade. No Acre, o PSB faz parte da Frente Popular (coligação de partidos que apóiam o governo petista), comunga e avaliza tudo o que o governador faz, da mesma forma que ocorre no governo Lula. Eu comecei a me sentir incomodado com isso. “Ele (o PSB) se conformou em gravitar na periferia da periferia da periferia do poder, e está se dando por satisfeito com isso. O PSB não tem uma atuação nacional. Isso é uma vergonha!” Por que o senhor saiu do PSB? Porque o partido resolveu se conformar, não participar do debate nacional e local. Tornou-se completamente omisso. Ele se conformou em gravitar na periferia da periferia da periferia do poder, e está se dando por satisfeito com isso. Antes, era um partido que ia para cima, participava do debate. Você ainda vê alguns políticos, como a deputada Luiza Erundina (SP), uma mulher aguerrida, mas, como partido, o PSB não tem uma atuação nacional. Isso é uma vergonha! Como militante do partido, temos que intervir. Como o PSB renunciou a participar, busquei um novo caminho. Mas espero que o partido seja feliz nesse caminho que ele escolheu trilhar. “Essa prática nociva, esse governo errático do Lula, estragou o processo político brasileiro. Foi um negócio bárbaro! O PSol surge como uma possibilidade de retomar essa discussão” O senhor acredita que haja espaço para uma oposição mais à esquerda do PT e do governo? Claro. Acabei de me filiar ao PSol. Lá no estado, isso já era uma coisa esperada. Não foi um processo uni-duni-tê, não, mas algo refletido. Fui em busca de um instrumento político-partidário no qual pudesse fluir aquilo que a minha consciência política impõe e o meu coração dita. Não foi por acaso. O PSol é uma tentativa de caráter e de inspiração democrática e socialista que vai galvanizar toda essa contrariedade e desconforto que a população brasileira vive hoje em dia. Só vejo desencanto por onde ando. E isso atingiu em cheio o processo político. Militantes que outrora lutavam, suavam a camisa, hoje estão meio desorientados. Tem gente que nem quer mais se envolver com política. Essa prática nociva, esse governo errático do Lula, estragou o processo político brasileiro. Foi um negócio bárbaro! O PSol surge como uma possibilidade de retomar essa discussão. A Heloísa Helena (PSol-AL) usa uma figura de linguagem muito interessante. O pessoal do PT que assumiu o governo traiu e largou bandeiras que eram tão caras para todos nós. Essas bandeiras que não eram de ninguém, mas do povo brasileiro, e que o PT e outros partidos aliados dele tentaram encampar, foram jogadas para trás. Ela costuma dizer que cabe a todos acreditar que há esperança para trabalhar democraticamente pelo crescimento do país com justiça social. Temos que recolher essas bandeiras e trabalhá-las de novo, com intensidade, a fim de devolver a esperança e voltar a enxergar uma luz ao final do túnel. E há possibilidade de essa mudança ocorrer pelas vias institucionais, como o Congresso Nacional? Acredito no poder que a população brasileira tem. Ela é o agente das transformações. Nós, de vez em quando, nos arvoramos através dos partidos de sermos os bam-bam-bans do processo. O condutor do processo é o povo brasileiro. Nós, na maioria das vezes, atrapalhamos o processo, como agora. Essa afirmativa de que as coisas que estão postas são definitivas é balela! O sistema capitalista, por exemplo, é tido como algo que chegou para ficar. Eu chamo à lembrança das pessoas a história, que não corrobora isso. Saímos de um escravagismo, para um colonialismo, para um feudalismo. Foram momentos em que a humanidade trocou um sistema produtivo por outro. Isso vai acontecer com o sistema capitalista. Ele tem os seus aspectos positivos. Mas, no fundo, é como dizia Marx (Karl Marx, filósofo inglês do século XIX, teórico do comunismo): “Ele traz em si a semente da sua própria destruição”. O capitalismo contém uma contradição que não tem solução. Ele é um sistema que tem por objetivo a acumulação do capital, dos bens, da riqueza de um povo. É o que Marx também ressaltava. Há momentos na vida de todos os povos que uns já não podem e outros não querem mais manter o status quo. É uma regra que se comprova, quando você se volta para examinar o processo de evolução da humanidade. Nesse projeto socialista do PSol há, para o próximo ano, a perspectiva de lançar candidaturas por todo o país? Vamos construir a possibilidade de registrar esse partido. Há uma discussão dentro do PSol que surge da espontaneidade do povo brasileiro. Recente pesquisa atribuiu à senadora Heloísa Helena, sem que ela tenha anunciado qualquer candidatura, intenções de voto de 6% a 7% nas capitais (para eleições a presidente da República). Além dela, vamos ter candidaturas aos governos estaduais, ao Senado e à Câmara. Depois de romper com o governador Jorge Vianna, o senhor está disposto a disputar a sucessão estadual? Não sei. Eu tenho me colocado contra o desvio de operação que o governador Jorge Vianna produziu. Ele divorciou-se dos produtores rurais do estado. Perdemos a capacidade de auto-suficiência na produção de alimentos. É muito grave isso. Cerca de 80% do que consumimos lá vêm de fora. Isso num estado que tem terras agricultáveis. Perdemos (essa capacidade) porque o estado se retirou da parceria. Produzimos apenas carne e matéria-prima que não conseguimos industrializá-la: borracha e madeira. Há um século produzimos borracha e até hoje não criamos condições necessárias para instalação de pequenas e médias fábricas. Em um século, nem sequer conseguimos fabricar aquela borracha de panela de pressão! Poderíamos produzir muitos artefatos. Uma forte indústria moveleira, por exemplo. A nossa madeira sai do estado praticamente bruta. Não criamos condições para o surgimento de empreendimentos que agregam riqueza e demandam mão-de-obra. Continuamos sendo o estado do contracheque. Num estado que tem cerca de 600 mil habitantes – ouve-se falar que, apenas na capital, só entre a máquina do governo do estado e da prefeitura –, há mais de 50 mil servidores públicos. O estado continua sendo o grande empregador ainda. Nem de longe criamos condições para incluir levas e levas de pessoas à margem do processo produtivo. Diante desse quadro o senhor poderia ser uma alternativa? Dentro dessa perspectiva, e até por conta dessa crítica que faço, há uma simpatia que cresce dentro do estado em torno da minha pessoa. Só que acho que esse é um debate que não pode ser travado assim. Eu tenho anunciado que vou ao encontro da população. Quero realizar seminários pelo interior do estado, conversando com a população e fazendo um grande balanço sobre o que aconteceu nesses seis últimos anos. Levantar os acertos e os erros acerca do que aconteceu e do que queremos para o Acre para os próximos 20 anos. Depois, vamos tirar cinco ou seis pontos essenciais para consubstanciar um programa de governo, que poderá estar disponível para aquele que for identificado pela população como capaz de executar um projeto desses. Entrar nessa discussão se vai ser o Geraldo, se vai ser o fulano, não ajuda a população a refletir. Ajuda é sentar e conversar sobre a realidade que as pessoas estão vivendo e como elas podem mudá-la. "Nesse campo, eu não vejo diferença. Não há essa diferença Como fica a relação do PSol com os partidos que fazem tradicionalmente oposição ao Lula pelo outro lado, o PSDB e o PFL? Nesse campo, eu não vejo diferença. A coisa agora está clara: o projeto do PT é social-democrata, como é o do PSDB. É um projeto que tem diferenças de operação, mas o objetivo é o mesmo. O PSol se destaca e se distingue dessa massa que está se constituindo. Antes da eleição do Lula, cogitou-se, inclusive, de o PSDB compor com o PT uma grande chapa. Houve essa tentativa. Não chegaram a finalizar isso, porque, naquele momento, não conseguiram resolver algumas diferenças e contradições. Para você ver as semelhanças dessas estruturas partidárias e políticas. Eu enxergo como um projeto único. O nosso projeto não é esse. Nós entendemos que não há como cogitar sentar com essas pessoas. Sentamos civilizadamente, educadamente para conversar sobre quaisquer outras coisas. Mas, sobre as táticas e as estratégias para se chegar a um Brasil socialista, democrático e justo, não há como se sentar com esse pessoal para se discutir nada. |
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