Ricardo Ramos
Fidelidade e voto em listas de partidos, financiamento público e redução do tempo das campanhas, fim da verticalização eleitoral, horário eleitoral na TV sem megaproduções publicitárias… Apontadas como uma das saídas para superar a crise – ou dar uma satisfação aos brasileiros –, as propostas de mudança política em tramitação no Congresso Nacional têm, pelo menos, cinco projetos importantes para serem votados até a sexta-feira da próxima semana para que as novas regras possam valer para as eleições de 2006. Mas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 446/05, apresentada às pressas há pouco mais de um mês, deve resolver com jeitinho a falta de tempo para fazer as mudanças: ela prorroga até 31 de dezembro o prazo para que as mudanças eleitorais tenham validade na eleição do ano seguinte.
Puxando a fila dos projetos de reforma política, a proposta de ocasião do deputado Ney Lopes (PFL-RN) vai dar fôlego aos parlamentares para aprovar propostas que, em sua maioria, estão há vários anos tramitando. "Até o dia 30 de setembro seria impossível aprovar qualquer mudança na legislação", afirmou o deputado Ney Lopes, professor universitário de Direito Constitucional. "Agora, dependerá da prioridade a ser dada pelos líderes – no Senado e na Câmara – em curto prazo", preocupa-se. Mesmo de licença médica há um mês, o deputado tem procurado as lideranças da Câmara para que sua PEC seja votada assim que a pauta for liberada em plenário para, em seguida, seguir para o Senado.
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"Com essa crise pela presidência da Câmara e a disputa pela sucessão de Severino Cavalcanti, tenho receio de que, mesmo com a aprovação da proposta do Ney, até dezembro não tenhamos votado nenhum dos projetos da reforma", considera o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
PublicidadeAssim que a pauta do plenário for destrancada, em segundo lugar na fila da reforma política está o Projeto de Resolução 201/2005. De autoria do deputado Bismarck Maia (PSDB-CE), o PRC prevê que, no momento de preencher os cargos das comissões permanentes da Casa, será levada em conta o tamanho da bancada no início do mandato dos deputados. Hoje em dia, a título de composição das comissões, vale o tamanho da bancada a cada começo de ano.
A regra, que, se aprovada, tem influência apenas na Câmara dos Deputados, não impede que os parlamentares mudem de partido para disputar novas eleições. "Conversei com todas as lideranças partidárias e acredito que a proposta será aprovada", espera Biscaia, autor de um projeto que tramita em conjunto com o de Bismarck Maia.
Em terceiro lugar na fila de votações está a proposta que acaba com a verticalização das coligações eleitorais. A regra, baixada por uma norma do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em fevereiro de 2002, impede os partidos de reproduzirem, nos estados, coligações diferentes da feita em nível federal. A PEC 548/2002, de autoria do ex-senador Bernardo Cabral (PFL-AM), está pronta pra ser votada no plenário da Câmara desde o dia 28 de junho. Embora criticado dentro do próprio PT, o fim da verticalização é um projeto fundamental para a pretensão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vir a compor uma dobradinha com o PMDB em 2006.
A proposta mais audaciosa e, por essa razão, a menos consensual entre os parlamentares, é o Projeto de Lei 2679/2003, de autoria da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara. Em quarto lugar na fila de prioridades da Casa, o projeto prevê, entre outras alterações, o financiamento público exclusivo para campanhas, o fim das coligações nas eleições proporcionais – cargos de vereador, deputados estadual e federal – e, em contrapartida, a criação da federação de partidos e o abrandamento da cláusula de barreira.
Desses itens, um dos mais controversos é o financiamento público das campanhas, que deve ficar mesmo para depois da eleição de 2006. Atualmente, os candidatos e os partidos políticos podem receber doações de pessoas físicas e jurídicas. Caso o projeto venha a ser aprovado, os repasses ficarão restritos a um teto estabelecido previamente pela União, idêntico para cada candidato postulante ao mesmo cargo. Num universo eleitoral de 115 milhões de votantes, seriam necessários gastar R$ 805 milhões com o financiamento público.
A maioria dos partidos ainda não fechou questão sobre o financiamento público. PP, PL, PTB e PMDB, cujos deputados têm tradicionalmente maior poder aquisitivo, são reticentes a votar a favor do projeto. Diante das recentes denúncias de caixa dois eleitoral, poderiam, numa eventual apreciação da matéria, liberar suas bancadas. "Não estou convencido de que o financiamento público conseguirá impedir que exista o caixa-dois nas campanhas", disse o líder do PP, José Janene (PR). Por outro lado, PT, PSB e PCdoB, partidos com menor potencial de arrecadação, tendem a votar a favor da proposta, o que tenderia a igualar a disputa.
Coligações
A disposição para acabar com as atuais coligações proporcionais e, em seu lugar, criar uma federação de partidos e as listas de candidatos ordenadas previamente pelo partidos tampouco é consensual. Pela regra em vigor hoje das coligações partidárias, os partidos que se ligarem para disputar uma eleição proporcional – a fim de ter um maior número de votos de legenda ou coligação – podem desmanchar o vínculo logo após o pleito. O PL 2679/2003, contudo, proíbe a prática. E cria a figura nova da federação partidária, por meio da qual as coligações de partidos só podem ser desfeitas após, pelo menos, três anos.
A intenção é que, com a federação partidária, legendas com programas de partido e afinidade ideológica comuns se unam. Mas, novamente, a proposta esbarra na resistência de partidos pequenos.
Mais longe ainda do consenso estão as listas fechadas. Por meio delas, os eleitores não votarão mais em candidatos individualmente, mas em listas estabelecidas pelos próprios partidos. Hoje, a distribuição das cadeiras é feita segundo a proporção de votos obtidos pelos partidos nas urnas. O projeto mantém essa repartição do bolo dos eleitos. Assim, por exemplo, se um partido tem direito a cinco lugares numa eleição, as cadeiras serão preenchidas pelo cinco primeiros nomes da lista. O novo sistema abriria um precedente para que os candidatos mais votados individualmente não fossem necessariamente eleitos.
Barreira pequena
O mesmo PL 2679/2003, que endurece as regras eleitorais para os partidos políticos pequenos e médios, faz um afago a eles. Para se contrapor ao rigor das novidades, o projeto da Comissão Especial de Reforma Política diminui as exigências para um partido ter representatividade no Congresso Nacional – a chamada cláusula de barreira. De acordo com a cláusula, o partido terá direito a funcionamento parlamentar se alcançar, pelo menos, 5% dos votos em todo o país na eleição da Câmara dos Deputados. Ao mesmo tempo, o partido tem de ter os votos distribuídos em, pelo menos, nove das 27 unidades da federação do país, com no mínimo 2% do total de votos em cada um deles. Nesse cálculo, não entram votos brancos e nulos.
Caso não cumpram todas essas exigências, os partidos não terão direito a liderança nem a participação nas comissões das Casas legislativas, tampouco acesso a recursos do Fundo Partidário e a propaganda gratuita. O projeto, que está para ser votado em plenário, derruba esse teto para 2%. A nova regra prevê que o partido também precisará eleger, pelo menos, um representante em cinco estados. O sufoco do corte eleitoral da cláusula de barreira é tamanho que, nas eleições de 2002, apenas sete partidos ultrapassaram o desempenho mínimo: PT, PSDB, PFL, PMDB, PP, PSB e PDT. Envolvidos no escândalo do mensalão, o PL e o PTB tiveram que incorporar legendas menores para romper a barreira.
Mais um do Senado
Não satisfeitos de terem encaminhado a maioria das propostas de reforma política para a Câmara dois anos atrás, os senadores remeteram recentemente mais um projeto de minirreforma eleitoral no dia 1º de setembro para valer já para a próxima disputa. O Senado remeteu o substitutivo do PL 275/2005, que prevê uma duração menor para a campanha eleitoral (de três meses para dois meses), sem as mega-produções publicitárias e mais rigorosas na hora de divulgar os gastos de campanha e punir eventuais crimes de caixa dois.
Pela primeira vez, estão reservados incentivos fiscais aos doadores de campanha. Por um lado, o projeto aumenta a lista de doadores proibidos de contribuir; por outro, passa a permitir que sindicatos e entidades de classe, como associações, também possam fazer doações.
Se o projeto for aprovado, os candidatos terão de divulgar diariamente na internet seus gastos de campanha. E, para quem se valer de caixa dois, a punição será rigorosa: detenção de três a cinco anos, multa de R$ 20 mil e perda do registro do candidato. As campanhas serão sisudas, pois não serão permitidas gravações externas na TV e uso de efeitos especiais. Além disso, os eleitores não poderão contar, a 15 dias das eleições, com as pesquisas eleitorais.
O problema do substitutivo do projeto do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), que tramitou em caráter conclusivo (não precisa necessariamente ser aprovada em plenário), chegou recentemente à Câmara. Nela, terá, de acordo com o regimento da Casa, uma tramitação mais demorada, pois vai ter de passar por várias comissões antes de chegar ao plenário. No momento, está na Comissão de Constituição e Justiça, aos cuidados da deputada Iriny Lopes (PT-ES). "Embora tenha pontos importantes, o Senado mandou esse projeto para a Câmara para satisfazer a opinião pública", alfineta o presidente da CCJ da Câmara, Antonio Carlos Biscaia.
No final da fila, mas apontado por muitos como um dos mais importantes, está o PL 1712/2003. Com 16 projetos apensados a ela desde 1990, a proposta da Comissão de Reforma Política da Câmara aumenta o prazo mínimo para que os candidatos permaneçam em um partido. Hoje, o prazo para a filiação de candidatos é de um ano e, com a proposta, subiria para dois anos. No caso da primeira filiação do candidato, o prazo permanece em um ano.
Essa proposta, aprovada no mês passado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, ainda precisa passar pela comissão especial e pelo plenário da casa para, em seguida, seguir para o Senado.
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