Mário Coelho
As recentes declarações do presidente Lula questionando o trabalho do Tribunal de Contas da União (TCU) fizeram ressurgir no Congresso o debate sobre as atribuições do órgão de fiscalização ligado ao poder Legislativo. Nesta terça-feira (10), o Senado realiza uma audiência pública para discutir a controvérsia sobre a paralisação de obras públicas pelo Tribunal. Um embate já se vislumbra: uma corrente no Congresso defende o fortalecimento ainda maior do TCU, enquanto outra parcela quer maior controle sobre a instituição.
Há 15 dias, Lula afirmou que o TCU “trava o país”, e sugeriu a criação de um órgão “tecnicamente inatacável”. O governo federal tem mostrado irritação pelo número de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) paralisadas por conta de irregularidades. Ontem (9), o jornal Folha de S. Paulo revelou que o governo possui já um anteprojeto, em fase de consulta pública, proibindo o tribunal de embargar obras. Ainda existe a possibilidade de criação de um conselho para fiscalizar o TCU.
Dos dois lados da briga, nasce um tripé que sustenta atualmente a discussão sobre mudanças nos tribunais de contas. A minuta elaborada pelo governo federal trata da atuação da corte, de modificações na lei orgânica da instituição. Pode ser mudada pelo Congresso por um projeto de lei simples. “Essa discussão, que pode ser resolvida por lei, é prioritária no momento”, afirmou o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que relatou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 75/07, que pretende diminuir a politização das cortes de contas.
Na visão de parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco, o momento é propício para discutir o tema. A avaliação geral é que os tribunais de contas deveriam ter uma atuação “preventiva e consensual”. O problema na atual atribuição do TCU, por exemplo, é ter um modelo jurisdicional repressivo. Ou seja, a primeira ação a ser feita, após a descoberta de possíveis irregularidades, é parar a obra e dar uma multa.
Burocracia
“O TCU tem um papel importante, e seu poder de fiscalização não pode sofrer questionamentos. Mas as decisões acabaram burocratizando e encarecendo as obras”, considera o senador Renato Casagrande (PSB-ES). Casagrande defendeu, na tarde de ontem, da tribuna do Senado, uma das duas PECs envolvendo o TCU, da qual é o autor. A PEC 30/07 cria o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas e do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas.
A matéria ainda está parada na CCJ do Senado, mas pode andar nas próximas semanas. O relator da PEC, Romero Jucá (PMDB-RR), apresentou à comissão seu relatório na última quarta-feira (4). Ele votou pela constitucionalidade da proposta e pela aprovação no mérito também. “No mérito, concordamos com os autores da proposta, quando afirmam a conveniência e, mesmo a necessidade de criação de um órgão superior de controle administrativo, financeiro e disciplinar dos tribunais de contas”, escreveu Jucá.
O peemedebista, porém, apresentou duas emendas ao texto original. Uma muda a composição do conselho imaginada por Casagrande e a outra modifica a Constituição para prever o colegiado. Com a nova redação, a PEC está pronta para ser votada na CCJ. Caso aprovada, segue para tramitação em uma comissão especial.
A outra PEC de Casagrande, a 15/07, está parada desde abril. Ela prevê que os membros do Tribunal de Contas da União passem a ser denominados ministros-auditores e tenham competências similares às dos integrantes do poder Judiciário. Além disso, a iniciativa coloca o concurso público como única forma de entrar na carreira, acabando com as indicações políticas.
“A iniciativa deve ser efusivamente elogiada. Cremos que já passa da hora de se dotar as Cortes de Contas de um perfil exclusivamente técnico, já que são constitucionalmente definidas como órgãos técnicos auxiliares do Poder Legislativo no trabalho de controle externo das contas públicas”, afirmou o relator da matéria, Pedro Simon (PMDB-RS). O autor da PEC, no entanto, acredita que não existe vontade de votá-la. “Há movimentação do TCU para tentar impedir a votação, pois os membros do tribunal não concordam com a forma da escolha por concurso”, disse.
A intenção do senador é diminuir a influência política na corte. E, além disso, evitar casos como o que aconteceu recentemente em Sergipe, onde a Justiça proibiu a posse de um novo conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Flavio Conceição teve a sua nomeação anulada na sexta-feira (6), por ter sido denunciado pelo Ministério Público Federal por vários crimes, como formação de quadrilha, corrupção e peculato. Além disso, Flavio também foi denunciado na Operação Navalha da Polícia Federal.
Até 1988, todos os ministros do TCU eram indicados pelo Executivo. Com a nova Constituição, um dos nove ministros é nomeado pelo presidente, seis são indicados pelo Congresso e duas vagas pertencem a funcionários de carreira. Atualmente, vieram do corpo efetivo os ministros Walton Alencar Rodrigues (ex-procurador-geral junto ao TCU) e Benjamin Zymler (ex-auditor).
“O TCU tem um corpo de auditores que são vindos de concurso público, que não têm ligações políticas. Agora, o tribunal é uma corte política também, não somente técnica”, disse o presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), Magno Antonio Correia de Mello.
Comissão especial
Não é só o Senado que tenta mudar o TCU. Tramita na Câmara a PEC 75/07, que aumenta a participação de servidores de carreira dos órgãos de fiscalização na composição dos plenários. A proposta reserva quatro das nove vagas de ministro do TCU para pessoas sem vínculo político. Também limita o mandato de ministros e conselheiros de contas a apenas três anos – atualmente eles permanecem no cargo até a aposentadoria.
Pela PEC, dois ministros serão escolhidos pelo presidente da República, com a aprovação do Senado. Serão ou servidores efetivos de nível superior que trabalhem na área de controle externo ou membros do Ministério Público. Em ambos os casos, o presidente vai indicar pessoas pré-selecionadas por seus pares. Os outros dois indicados ficarão a cargo do Congresso Nacional, e deverão ser servidores da área de controle externo do tribunal.
Porém, a PEC, de autoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), após receber parecer favorável na CCJ, até agora não foi votada pelo colegiado. Caso seja aprovada, ainda tem que passar por uma comissão especial. “É uma forma de evitar a manipulação política dos tribunais”, disse Alice Portugal. Com a reestruturação dos órgãos de fiscalização, a parlamentar do PCdoB espera que a função de combate à corrupção e à ineficiência estatal seja melhorada. “Os tribunais de contas são um instrumento, uma conquista da democracia”, completou.
Audiência pública
A audiência desta terça-feira no Senado acabou sendo esvaziada antes de acontecer. O presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não vão participar. Entretanto, o presidente da CCJ da Casa, Demóstenes Torres (DEM-GO), decidiu que a discussão deveria começar. Por isso, vai acontecer o debate com o presidente do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas, Cézar Augusto Pinto Motta, e o diretor-executivo da organização não-governamental Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo.
Para Pedro Simon, um dos autores do requerimento, “o governo está num confronto aberto com o Tribunal de Contas da União”. O senador lembrou, no documento de realização da audiência, que o presidente Lula disse que a Lei de Licitações atrapalha as obras e propôs uma reunião com parlamentares, empresários e integrantes do TCU e do governo para debater a matéria. Simon afirmou ainda que o TCU anteriormente era acusado de não fiscalizar, de facilitar o erro. “Agora, a discussão é no sentido de que o Tribunal de Contas está entravando, impedindo a obra”, escreveu Simon.
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