Edson Sardinha
Prática institucionalizada no Brasil, o troca-troca partidário pode custar caro a 8 mil políticos brasileiros que mudaram de legenda em 2008. Eles são alvo dos 8.595 processos de perda de mandato movidos na Justiça eleitoral de todo o país por infidelidade partidária, conforme revela levantamento feito pelo Congresso em Foco.
Em tese, principais beneficiários da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que o mandato pertence à legenda – e não ao eleito – na prática, os partidos políticos pouco fizeram para reaver a vaga dos “infiéis”.
Cerca de 70% dos pedidos de cassação em todo o país foram propostos pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), que, segundo a resolução do TSE que disciplinou o assunto, só poderia reivindicar os mandatos nos casos em que os partidos não o fizessem. Como o prazo definido para o MPE foi o mesmo estabelecido para que os suplentes cobrassem as vagas, alguns políticos estão no foco de mais de uma representação (veja a relação por estado).
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A quase totalidade dos ameaçados ocupa cadeira nas mais de 5,5 mil câmaras municipais brasileiras. Até agora, cinco vereadores – quatro do Pará e um de Rondônia – perderam o mandato por terem trocado de partido sem a devida justificativa.
Também estão na mira da Justiça eleitoral vice-prefeitos, deputados estaduais e 13 deputados federais. Esses últimos serão julgados pelo próprio TSE. A corte analisará 17 processos envolvendo parlamentares federais, já que alguns respondem a mais de uma ação. (leia mais).
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O presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, garante que, apesar de 2008 ser um ano eleitoral, os tribunais regionais estão preparados para atender à nova demanda sem prejuízo para a organização das disputas municipais. “Teremos processos administrativos céleres”, promete.
Resolução baixada pelo TSE para disciplinar os processos de perda de mandato por infidelidade partidária estabelece o prazo de 60 dias, a contar do recebimento da denúncia, para que a Justiça eleitoral cobre as devidas explicações, ouça os acusados e faça o julgamento do caso.
Partidos em xeque
A única unidade federativa em que não houve pedido de perda de mandato foi o Distrito Federal, justamente onde não há prefeitos nem vereadores. Paraná, Piauí e São Paulo são os três estados onde, respectivamente, há mais políticos “infiéis” ameaçados de cassação.
Autor de aproximadamente 700 das 1.080 ações por infidelidade partidária em tramitação no TRE-PR, o procurador regional eleitoral do Paraná, Néviton de Oliveira Batista Guedes, diz que a quantidade de processos de perda de mandato não reflete a realidade do mapa da infidelidade partidária no país. Segundo ele, esse número teria sido ainda maior não fosse a omissão dos partidos políticos.
“Primeiro, os partidos não fizeram o que deveriam fazer [cobrar o mandato dos infiéis]. Depois, muitos deles se recusaram a prestar as informações por nós solicitadas”, reclama o procurador. De acordo com Néviton, várias legendas se recusaram a fornecer, por exemplo, a relação dos políticos que deixaram a legenda e a data em que se deu a desfiliação. “Esses partidos são muito incoerentes”, critica.
Circunstâncias locais
“Houve um grande número de acordos entre políticos e partidos para a preservação de mandatos”, afirma o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral. “Mas temos de examinar as injunções estaduais e municipais. Muitos partidos que se enfrentam em Brasília são aliados nos municípios e não têm interesse em pedir o mandato de um vereador que migrou para outro partido da própria base do prefeito”, observa o advogado.
Presidente nacional do partido que apresentou a consulta que deu origem à nova interpretação do TSE sobre a fidelidade partidária, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) admite que os diretórios municipais das legendas priorizaram, via de regra, as questões locais em detrimento da decisão da Justiça eleitoral.
“As circunstâncias políticas existem. Não há como negar. Mas elas não deveriam ser maiores que a fidelidade partidária”, lamenta. Como exemplo dessas “circunstâncias políticas”, o deputado cita o caso de uma câmara municipal composta por nove vereadores em que o prefeito tem o apoio de cinco vereadores. “Se o partido que requisitar o mandato for da oposição, o prefeito perde a maioria. Fica difícil governar assim”, observa.
Segurança
Na avaliação de Rodrigo Maia, o TSE acertou ao dar poder para o Ministério Público Eleitoral reivindicar o mandato nos casos em que o partido não o fizesse. “Foi uma trava de segurança acertada. Do contrário, teríamos uma fidelidade partidária torta. O MP corrige distorções”, considera.
A mesma avaliação é feita pelo presidente do TSE. “A legitimação do Ministério Público na resolução foi acertada, porque prevíamos que poderia haver acertos entre os partidos e os eleitos. Foi uma medida muito importante”, observa Marco Aurélio de Mello.
Piauí em alerta
Em nenhum estado o Ministério Público Eleitoral teve mais trabalho à caça dos “infiéis” do que no Piauí. Das 952 ações por perda de mandato por infidelidade partidária, 845 foram propostas pelo MPE. Cerca de 40% dos 2.024 vereadores piauienses correm o risco de não completar o mandato por terem trocado de legenda no ano passado.
Em quatro municípios – Cristalândia do Piauí, Olho D’Água, Joca Pires e Pio IX – nada menos do que todos os nove vereadores podem ser cassados por infidelidade partidária. “Não sabemos ainda nem se haverá suplentes em número suficiente para assumir essas vagas, já que alguns deles também trocaram de partido”, declara o procurador regional eleitoral do Piauí, Carlos Wagner Guimarães.
A situação não é menos crítica em outras 30 cidades do estado, onde o troca-troca partidário pode custar o mandato de oito dos nove representantes da câmara municipal. O procurador eleitoral admite que se surpreendeu com o elevado número de processos que teve de mandar para o TRE-PI. “Não imaginávamos que teríamos tanto trabalho”, conta ele.
Em apenas seis dos 224 municípios piauienses não houve mudança de partido após 27 de março de 2007, data estabelecida pelo TSE como marco da fidelidade partidária para os eleitos para cargos proporcionais.
Caráter pedagógico
Carlos Wagner também responsabiliza os acordos locais pelo elevado número de ações movidas pelo MPE no estado. “O papel do Ministério Público é não permitir que haja a costura desse tipo de acordo, que não é de interesse público”, afirma.
Na avaliação do procurador, esses processos de perda de mandato têm, sobretudo, um caráter pedagógico para os políticos. “Quase todos os estatutos partidários exigem a fidelidade partidária. Todos a defendiam, mas ninguém a cumpria. A partir de agora, o político deverá tomar cuidado com a sua primeira filiação, porque poderá ficar preso à legenda. Os partidos, com isso, tendem a se fortalecer. Os filiados vão buscar defender suas posturas dentro da própria sigla”, acredita.
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