Uma semana após o depoimento do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) ao Conselho de Ética da Câmara, a temperatura da crise política do governo voltou a subir ontem em Brasília. O termômetro registrou o grau mais elevado no final da noite, quando, em depoimento à CPI dos Correios, o ex-funcionário dos Correios flagrado cobrando propina acusou o secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, de estar por trás de uma empresa contratada sem licitação pela estatal. Um pouco antes, a ex-secretária do publicitário Marcos Valério Fernandes voltou atrás no depoimento que havia prestado à Polícia Federal e reiterou a denúncia de que o empresário manteria negócios escusos com o PT. As duas declarações só ampliaram a crise do Planalto num dia em que a Câmara rejeitou duas medidas provisórias em plenário e os deputados Miro Teixeira (PT-RJ) e Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO) confirmaram, no Conselho de Ética da Casa, ter conhecimento da denúncia de Jefferson de que deputados estariam recebendo mesada em troca de apoio ao governo. Leréia foi além, ao reafirmar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia sido alertado há mais de um ano sobre o assunto pelo governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Leia também Publicidade
Primeiro depoente da CPI, o ex-chefe da Diretoria de Contratação e Administração de Material dos Correios Maurício Marinho isentou Jefferson de envolvimento no esquema de corrupção e voltar a carga contra o PT, ao dizer que a maior parte dos negócios da estatal passa pelas diretorias de Tecnologia e Operações, dirigidas por indicados políticos do PT. Publicidade
"Cada diretoria da empresa tem um partido político por trás, eu não sou político. Os diretores de Tecnologia e de Operações, que têm grande valor orçamentário, quem está por trás é o PT, é o seu Sílvio Pereira", afirmou. Marinho surpreendeu os próprios petistas ao afirmar que o secretário-geral do partido teria vínculo com a empresa HHP, que teria vendido, em janeiro, 500 impressoras sem licitação para os Correios. "Era voz corrente que essa empresa teria vínculo com o PT e com Sílvio Pereira", disse. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) reagiu aos berros à declaração de Marinho, o que provou bate-boca com parlamentares da oposição. PublicidadeLíder do PT e presidente da CPI, o senador Delcídio Amaral (MS) admitiu a gravidade da denúncia: "É um assunto que eu não tinha conhecimento. Agora, vamos avaliar e investigar direito. Nós avançamos muito", disse. Outro a demonstrar surpresa com a ligação entre o secretário e a empresa foi o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP). “É a primeira vez que ouvimos isso. Eu não creio que tenha nada porque conheço o Sílvio Pereira há muitos anos. Evidente que nosso papel é investigar e, se tiver alguma coisa, colocar a público", afirmou. Marinho endossou o discurso de Roberto Jefferson, que tem acusado Sílvio Pereira de ser o gestor do esquema de corrupção nas estatais. "Não consegui compreender ainda porque o zeloso Ministério Público, a zelosa PF, a zelosa Corregedoria da União não investigaram a Diretoria de Informática, não investigaram o Correio Aéreo Noturno, do senhor Silvinho Pereira", disse o deputado em depoimento ao Conselho de Ética. Ele será ouvido pela CPI na próxima quarta-feira. O depoimento de Marinho à CPI será retomado esta manhã, depois de ter sido interrompido por volta das 23h30. Além de reforçar as acusações contra o PT, o ex-chefe de compras dos Correios negou ter qualquer relacionamento com o ex-presidente do PTB. "Não tenho ligação com o Roberto Jefferson", garantiu, desmentindo o que disse na fita em que aparece recebendo R$ 3 mil de um empresário em troca de favorecimento num processo licitatório. "Eu fiz autopromoção porque tenho interesse em ter minha consultoria no futuro", disse. Marinho admitiu ter se beneficiado indevidamente do cargo, mas negou que tivesse pedido propina. "Eu sei que falei demais, sei que envolvi pessoas, eu sei que trabalhei nos Correios fora do horário de trabalho e tratei de assuntos de fora (da estatal), recebi dinheiro que não pedi", afirmou. Segundo o ex-funcionário dos Correios, o dinheiro recebido faria parte de um trabalho de consultoria prestado por ele. A terça-feira não foi um bom dia para Sílvio Pereira. Fernanda Karina Sommagio, ex-secretária do publicitário mineiro Marcos Valério confirmou, em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, as denúncias contra o seu ex-patrão, apontado por Jefferson como operador do esquema de arrecadação de dinheiro nas estatais para a compra de deputados. Sócio das empresas DNA e SMPB, que têm contratos com o governo, ele teria ligação estreita com Sílvio e o tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Na quarta-feira passada, Fernanda havia desmentido na Polícia Federal a entrevista dada por ela mesma à revista IstoÉ Dinheiro. Ontem à noite ela voltou à PF para reformar o depoimento. A secretária disse que desmentiu a entrevista porque estava se sentindo ameaçada. “Fiquei com muito medo na terça-feira (véspera de seu primeiro depoimento à PF). Depois que saí do meu trabalho, um motoqueiro fechou meu carro e disse que, se eu falasse alguma coisa, colocaria em risco a vida da minha filha e do meu marido. Acho que qualquer pessoa ficaria quieta. Entrei em pânico”, disse no Jornal Nacional. Segundo ela, que está sendo processada pelo ex-chefe por extorsão, Marcos Valério sacava altas somas de dinheiro antes de se reunir com políticos. “As reuniões eram com o pessoal do PT. Acredito que os saques eram para o pagamento do mensalão. Sabia que o dinheiro ia para Brasília. Para quem, quando e onde eu desconheço. Mas era o seu Marcos quem fazia a entrega”, acusou. Ela confirmou que Sílvio Pereira também participaria das reuniões. “Os encontros eram em hotéis em Brasília ou São Paulo, que nós marcávamos e eles se reuniam”, afirmou. A secretária levantou suspeita sobre o contrato feito por Marcos Valério com os Correios. “A licitação dos Correios chamou atenção, porque antes de sair o resultado, a festa para empresa já estava pronta. Já havia uma festa marcada. Como se soubessem o resultado. Teve uma festa regada a Chandon”, disse. Segundo ela, a agenda que entregou à polícia pode ajudar na investigação, porque traz registros de reuniões e licitações. Fernanda, Marcos Valério e Sílvio Pereira serão ouvidos pela CPI dos Correios, que aprovou ontem 110 requerimentos. A comissão decidiu convocar ainda outras 36 pessoas para prestarem depoimento. |
Deixe um comentário