Renata Camargo
Às vésperas da escolha nas urnas do novo presidente da República, o presidente Lula intensificou suas críticas à imprensa e voltou a defender uma nova regulamentação do setor. Em entrevista ao portal Terra, divulgada nesta quinta-feira (23), Lula afirmou que a comunicação no Brasil é dominada por “nove ou dez famílias” – donas de canais de TV, de rádio, jornais, sites e outras mídias – e defendeu que “a imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido”.
“O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada. Muitas vezes, fica explícito no comportamento que eles têm candidato e gostariam que o candidato fosse outro”, disse. “A verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse país. A verdade é essa. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmo são donos dos jornais…”.
Sem citar na entrevista referências ou nomes, Lula desabafou que “nunca disseram que a TV pública de São Paulo é do governador de São Paulo”, mas que parte de imprensa afirma que a TV pública brasileira “é a TV Lula”. “Na campanha passada, os caras diziam, ‘porque o avião do Lula…’, porque o Aerolula… Agora, estão dizendo que a TV pública é a TV do Lula. Esse carregamento composto de muito preconceito ou de muita, eu diria até, às vezes, ódio, demonstra o quê?”, afirmou Lula.
Na entrevista, o presidente defendeu o estabelecimento de um novo marco regulatório para a telecomunicação no Brasil. Lula citou a Conferência Nacional de Comunicação, ocorrida no ano passado, onde foram discutidas propostas como a criação do Conselho Nacional de Comunicação, que seria um órgão de controle público das mídias. A proposta é considerada pelos grandes veículos de comunicação como uma censura. “As pessoas, ao invés de ficarem contra, deveriam participar, ajudar a construir, porque será inexorável”, considerou.
Ao portal, o presidente falou ainda sobre a saída do cargo da ex-ministra-chefe da Casa Civil Erenice Guerra, que pediu demissão após repercussões da denúncia de nepotismo e de esquema de lobby e propina envolvendo seu filho Israel Guerra. Na avaliação de Lula, Erenice “jogou fora uma chance extraordinária de ser uma grande funcionária pública deste país”. “Se alguém acha que pode chegar aqui e se servir, caia do cavalo. Porque a pessoa pode me enganar um dia, pode me enganar, sabe, mas a pessoa não engana todo mundo todo tempo. E quando acontece, a pessoa perde”.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
Eleições
“O que eu acho extremamente importante é que nesse processo eleitoral, a gente precisa, primeiro, ter muita cautela. Esse é o momento de um time que está ganhando de dois a zero. O adversário está dando botinada, está chutando no peito, está chutando na canela, o juiz não está apitando falta e nós não podemos perder a cabeça, porque o que eles querem é expulsar alguém do nosso time, para a gente ficar em minoria. Então, agora é muita cautela, vamos fazer troca de passes entre nós, vamos fazer a bola correr. Como dizia o Parreira, quando estava dirigindo o Corinthians, nós vamos ficar dominando a bola, ou seja, o tempo que a gente estiver com a bola é o tempo que a gente não toma gol…” (sobre a liderança da candidata do PT, Dilma Rousseff, nas pesquisas de intenção de votos)
Artistas e jogadores candidatos
“…o Tiririca é um cidadão que representa uma parcela da sociedade brasileira. Eu não sei se é voto de protesto, ele pode surpreender, sabe…eu acho legal o Romário estar entrando na política, acho legal o Bebeto estar entrando na política, o Marcelinho…porque, veja, a política antigamente o que era? Antigamente a política era advogado, professor, funcionário público e empresário. Ora, se você tem jogador de futebol, você tem movimento indígena, você tem…todo mundo tem que se apresentar e o Congresso estará melhor representado. Se eles trabalharem corretamente, serão valorizados. Se as pessoas não trabalharem corretamente, no próximo mandato cairão fora como já provou a história da humanidade e aqui neste País.”
Projeto de lei para controle público da mídia
“Se existir uma idéia, ela será discutida pelo próximo governo. Pelos próximos governos. Ela será decidida pelo Congresso Nacional, porque é impossível você imaginar fazer uma coisa que discuta comunicação se você não passar pelo Congresso. Quando nós tomamos a decisão de fazer a Conferência da Comunicação – nós já fizemos conferências de tudo que você possa imaginar, até de segurança pública -, quando fizemos a Conferência de Comunicação, alguns setores das comunicações participaram, algumas tevês participaram, algumas empresas telefônicas participaram e muitos jornais participaram. Ela foi feita a nível municipal, a nível estadual e nível nacional. Determinados setores da imprensa não quiseram participar e começaram a achar que aquilo era antidemocrático, que aquilo era não sei das contas. Eu não sei qual é a preocupação que as pessoas têm de a sociedade discutir comunicação. Uma legislação que está regulamentada em 1962. Portanto, não tem nada a ver com a realidade que nós temos hoje.”
Relação com a imprensa
“O velho Frias (Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, falecido em abril de 2007) me dizia: ‘Lula, o pessoal do andar de cima não vai permitir você subir lá…’. Quem me dizia isso era o velho Frias repetidas vezes: ‘Lula, cuidado, o pessoal do andar de cima não vai permitir você chegar naquele andar…’. Sabe? Então, o pessoal se comporta como se o pessoal da senzala tivesse chegado à casa grande. E ficam transmitindo uma coisa absurda. Nesse momento do Brasil, falar em falta de liberdade de comunicação….? Nesse momento do Brasil! Eu duvido, duvido. Eu quero até que vocês coloquem em negrito isso aqui: Eu duvido que exista um país na face da Terra com mais liberdade de comunicação do que neste País, da parte do governo. Agora, a verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é essa. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais…”
Capitalização da Petrobras
“…meus queridos, vejam o que vai acontecer amanhã, sexta-feira; a Bovespa, que tinha ódio de mim, e quando tinha medo de mim, ela tinha apenas 11 mil pontos, hoje já chegou a 72 (mil pontos), já chegou a 68 (mil pontos). Ou seja, acima dos 60 mil pontos. E vai exatamente um presidente da República, que tanta gente tinha medo, fazer a maior capitalização da história da humanidade. Ouso dizer: nunca antes na história do planeta Terra, houve uma capitalização da magnitude do que vai acontecer na sexta-feira, sabe, com a minha presença. Me dá um prazer especial porque é um sucesso do Brasil, é um sucesso da Petrobrás, é um sucesso do investimento em tecnologia, é um sucesso de acreditar neste País. Mas, na verdade, é o sucesso da ascensão do Brasil no mundo. Ou seja, quem acompanha a imprensa internacional percebe que hoje nós ocupamos na imprensa internacional num mês aquilo que a gente não ocupava em três décadas, há pouco tempo atrás. Porque no Brasil, as pessoas precisam aprender uma coisa: ninguém respeita quem não se respeita. E muita gente do Brasil costumava chegar nos Estados Unidos ou na Europa de cabeça baixa, se achando um ser inferior.”
Popularidade
“…eles confundem populismo com popular. Eles não sabem o que é popular porque eles nunca estiveram perto do povo. Essa gente, essa gente que não gosta de mim, na época das eleições até sorri pros pobres, até faz promessa pros pobres, mas depois das eleições… o pobre passa perto deles um quilômetro. Então, sabe, isso é uma confusão maluca entre o populismo e o popular. O que é o populismo? É um cara, sabe, que não tem nada a ver com ninguém e aparece fazendo promessas, aparece fazendo política demagógica. Não é o nosso caso. Todas as políticas minhas são decididas… Já foram 72 conferências nacionais, conferências que começam lá no município, vai para o Estado e vem pra cá. Algumas conferências participaram 300 mil pessoas até chegar na conferência nacional. E aí nos decidimos as políticas públicas. Então eles…obviamente eu acho que tem muita gente incomodada, e eu não tenho culpa, eu não tenho culpa. Sabe, tirar deles incomodou muita gente no Brasil. A Coroa Portuguesa durante muito tempo ficou incomodada por conta daqueles que diziam que era preciso mudar. Ficaram incomodados até com Dom Pedro quando ele quis mudar. Por que não ficar comigo?” (em resposta às declarações do ex-presidente Fernando Henrique, que acusou Lula de querer “massacrar” a oposição e evocou Mussolini para se referir a ele)
Reforma política
“A reforma política não é uma coisa do presidente da República. A reforma política é uma coisa dos partidos políticos. E do jeito que os partidos se comportam parece que a gente tem um monte de partidos, todos criticando, sabe, a legislação que regulamenta a política no Brasil. Todo mundo quer uma reforma política, mas ninguém mexe. Porque desagrada a muita gente. Então, veja, eu mandei duas propostas de reforma, de coisas que precisariam mudar para poder melhorar a política brasileira e que não foi votado. Nós mandamos, por exemplo, a regulamentação do financiamento de campanha, para acabar com o financiamento privado e ficar com financiamento público, que na minha opinião é a forma mais honesta de se fazer campanha neste País, a fidelidade partidária… porque o que é o ideal? É você ter partido forte para você negociar com partido. Isso faz parte da democracia. Quando você faz coalizão com partido político você estabelece regras nesta coalizão, você partilha um poder com essa coalizão. Agora, do jeito que está é quase que impossível, porque a direção dos partidos não representa mais os partidos.”
Caso Erenice
“Eles não conseguiram a expulsão da Erenice. Veja, a Erenice saiu porque se ela cometeu um erro, que ainda vai ser investigado… porque, veja, as pessoas, todos nós seres humanos precisamos aprender o seguinte: nós nascemos, crescemos e morremos. Neste período de tempo, a gente tem oportunidade, a gente aproveita ou não aproveita. Tem gente que poderia ser um baita jogador de futebol, eu conheci trezentos que eram ‘o novo Pelé’, nenhum foi. Eu conheci trezentos que iam ser grandes políticos, nenhum foi. Então, as pessoas, na medida em que têm uma oportunidade, as pessoas estão aqui para prestar serviço à sociedade. Se alguém acha que pode chegar aqui e se servir, sabe, cai do cavalo. Porque a pessoa pode me enganar um dia, pode me enganar, sabe, mas a pessoa não engana todo mundo ao mesmo tempo. E quando acontece, a pessoa perde. O que aconteceu com a Erenice é que ela jogou fora uma chance extraordinária de ser uma grande funcionária pública deste País”
Imprensa investigativa
“Veja, eu sempre admito que muitas vezes tem coisas que você tem que investigar. Agora, porque eu comecei falando da feijoada? Porque a feijoada tem ingredientes, você, quando vai na panela de feijoada, você tem o feijão e tem lá trezentas coisas para escolher. O que eu acho é que toda notícia de denúncia ela vem como se fosse uma feijoada. Depois que você faz um processo de investigação, escolhe o que você quer ali, você vai perceber que a quantidade de coisas, você vai perceber o que é cada um. Tem coisa que tem dimensão séria, tem coisa que é boato, especulação, tem coisa que não tem profundidade. Então, qual é o papel de um presidente da República? Ou seja, na hora que você sabe de uma situação dessa, a primeira coisa que você faz é criar uma sindicância interna, ou seja, a CGU, a Casa Civil começa a investigar e a Polícia Federal abre inquérito. A partir desse momento, o presidente da República fecha a boca, certo? Porque, a partir daí, não pode ter mais nenhuma influência do governo no processo de investigação. Quando tiver resultado de todas as pessoas darem depoimento, aí você então comunica a sociedade o que aconteceu de fato e de direito.”
“Eu acho que o Twitter é uma escravização. Tem gente que acorda duas horas da manhã para ficar tuitando. Tem gente que levanta para falar: ai, acordei, perdi o sono. O que eu tenho a ver com isso? Vai dormir, pô!
(O repórter afirma que tem ministro que tuita)
Lula: Ah, eu dou bronca em ministro, porque às vezes você está em um comício, o cara está tuitando lá, o cara nem prestou atenção, já pensou jogador de bola se estiver tuitando e a bola passar do lado dele… (risos) Acho um absurdo, acho uma escravização.”
Internet
“Acho que as pessoas não estão entendendo ainda o que aconteceu na comunicação nesse País. Lá em casa, ninguém compra mais jornal. Em casa, a molecada toda lê o que tiver que ler na internet, em tempo real, sem ter que esperar: ‘ah, vamos ver o que vai acontecer amanhã ou depois de amanhã’. São 68 milhões de brasileiros que acessam a internet. Um quarto das residências brasileiras que já tem computador. A tendência natural é isso crescendo de uma forma tão rápida, que daqui a pouco serão 150 milhões brasileiros… é por isso que o governo se interessou tanto na questão da banda larga. Porque você sabe que no Brasil é assim… todo mundo fala que vai resolver o problema, mas todo mundo só quer cuidar daquilo que tem rentabilidade. Então vamos fazer as coisas no Rio de Janeiro, vamos fazer em São Paulo, nas capitais, cidades grandes, mas quando vai se afastando e não tem rentabilidade, as pessoas não querem.
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