Hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Márcio avalia que o “Supremo cometeu o maior engano de sua história” ao manter, em 2010, o entendimento de que a lei de 1979 anistiou os crimes de motivação política ocorridos durante o regime militar. Para ele, os ministros precisam rever sua visão sobre o assunto para resgatar a “dignidade” da sociedade brasileira. “Que o STF reveja sua posição e tire essa nódoa de sua história e da sociedade”, defendeu.
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“O acórdão do Supremo é uma homenagem à impunidade, um convite à repetição. Tanto há repetição que a tortura continua”, afirmou o desembargador. “A tortura está se tornando institucional. Veja o que acontece nas nossas prisões. Torna-se algo cotidiano a repetição do mal”, acrescentou. “Se a tortura pode ser perdoada em relação a presos políticos, quem vai criticar a prisão das pessoas comuns?”
As críticas foram feitas ontem (30) à noite durante a cerimônia de entrega da 36ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em São Paulo. Márcio Moraes foi homenageado por sua decisão histórica de não aceitar a versão propagada pelos militares de que Herzog se matou por enforcamento. A sentença do então juiz de 31 anos foi dada em outubro de 1978, meses antes da revogação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), um dos instrumentos mais duros da repressão militar.
Para Márcio Moraes, a resistência do Supremo em rever a Lei da Anistia está, em parte, ligada à forma de escolha dos ministros dos tribunais superiores. O atual modelo, de livre indicação pela Presidência da República e chancela do Senado, não serve à sociedade, segundo ele. “Praticamente não há critério. Não se sabe quais pessoas se candidataram ao cargo. Os candidatos preferem o anonimato. Seus currículos são desconhecidos. Entregues às regras do presidente. A sabatina no Senado não funciona. É um órgão meramente sancionador da escolha”, criticou.
Em maio deste ano, o Psol entrou com uma Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 320) para que o STF declare que a Lei de Anistia não se aplica aos crimes de graves violações de direitos humanos, cometidos por agentes públicos, militares ou civis.
Suicídio, não
Na decisão que proferiu há 36 anos, Mário Moraes responsabilizou a União pela prisão ilegal e pela morte de Vladimir Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura. “Constata-se a prática de crime de abuso de autoridade, bem como há revelações veementes de que teriam sido praticadas torturas não só em Vladimir Herzog, como em outros presos políticos nas dependências do Doi-Codi”, escreveu o então jovem magistrado.
Em 45 páginas, o juiz condenou a União a indenizar a esposa e os filhos de Herzog pelos danos materiais e morais decorrentes de sua morte. “A União não logrou provar o suicídio e permanece íntegra a sua responsabilidade civil pela morte de Vladimir Herzog”, concluiu. Ele também classificou como ilegal a prisão do jornalista, pela “inexistência de inquérito em que Herzog tenha sido indiciado, mandado de prisão, autoridade competente que o tenha expedido e comunicação da prisão ao juiz competente”. Márcio ainda determinou que a Justiça Militar apurasse todas as torturas sofridas por vários jornalistas mencionadas nos autos do processo. Os militares não cumpriram a decisão. A mudança no atestado de óbito do jornalista só ocorreu em dezembro de 2012.
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