O presidente do PTB, Flávio Martinez, surpreendeu ontem os parlamentares ao anunciar que o partido vai pedir a retirada da representação de cassação que apresentou ao Conselho de Ética da Câmara contra os deputados José Dirceu (PT-SP) e Sandro Mabel (PL-GO) por quebra de decoro. Mas, o presidente da comissão, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), correligionário de Martinez, afirmou que a atitude do partido não tem qualquer efeito prático e, portanto, as investigações vão continuar normalmente.
Segundo Izar, mesmo que a representação seja retirada, há argumento jurídico para manter o processo, pois o caso não atende apenas aos interesses do PTB, mas de toda sociedade. “Nós vamos até o fim em todas as investigações”, afirmou.
É a primeira vez que um partido pede a suspensão de um processo de cassação. O ineditismo da questão exigiu que o presidente do Conselho pedisse uma consultoria à Mesa Diretora para saber o que fazer. O parecer técnico foi categórico: mesmo que o PTB insista em retirar a representação, os parlamentares não precisam suspender as investigações.
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Em um dos trechos do relatório, as consultoras Luciana Botelho Pacheco e Luciana Peçanha Martins alegam que “uma vez instaurado, o processo deixa de depender de qualquer ato de vontade do representante (…) não se podendo ‘retirar’ a representação como se se tratasse de uma proposição comum”.
Em outro ponto, elas ressaltam que, por analogia, pode-se enquadrar o PTB na mesma situação do Ministério Público, quando este encaminha ações à Justiça: “(…) nas ações penais públicas, o processo, uma vez instaurado, segue seu curso oficial, não tendo o Ministério Público possibilidade de desistir da denúncia. Isso ocorre porque há interesse público indisponível na apuração dos fatos delituosos”, afirmam as consultoras no parecer.
A decisão de retirar a representação contra Dirceu e Mabel atende a um pedido do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), cassado na terça-feira passada. Ele alega que PSDB e PFL estão utilizando as representações encaminhadas ao Conselho de Ética para derrubar parlamentares da base aliada sem que exerçam influência direta nos processos. “Eu não quero ser massa de manobra de PSDB e PFL”, afirmou o petebista no fim de semana.
PublicidadeSegundo Jefferson, as duas legendas querem a cassação de José Dirceu, mas temem comprar uma briga direta com o PT e outros partidos aliados. Isso porque, na lista dos que sacaram dinheiro nas contas do empresário Marcos Valério, apontado como operador do suposto mensalão, aparecem o deputado Roberto Brant (PFL) e o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, ambos de Minas Gerais. Os dois podem ser poupados pelos parlamentares caso precisem enfrentar processos nos conselhos de ética das respectivas casas. “Se eles querem caçar José Dirceu, eles que corram atrás”, afirmou Jefferson ontem, por meio de sua assessoria de imprensa.
O processo contra José Dirceu foi aberto no último dia 15 de agosto. Desde então, várias testemunhas já foram convocadas a depor, entre elas o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e o ex-presidente do PT José Genoino. Segundo o relator do processo, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), as investigações já estão em passo adiantado.
“Eu quero crer que isso (a retirada) não vai acontecer, pois vai afundar ainda mais o legislativo. Espero que o PTB não seja do grupo ‘quanto pior, melhor’, que só faz continuar nossa sangria. Eu não vou dar ingredientes para esta pizza que está se formando”, argumentou Delgado ao Congresso em Foco, que já trabalha no caso há cerca de dois meses.
Atraso consumado
O deputado afirma que a decisão anunciada pelo PTB já começou a atrasar as investigações, com o adiamento do interrogatório do presidente do Banco BMG, Flávio Guimarães, previsto para hoje. “Espero que não haja problema. A sociedade espera resultados”, reforçou.
O relator diz não acreditar no argumento utilizado por Jefferson para pedir a retirada das representações e suspeita que possa haver um acordo. “Um partido que foi diretamente atingido, com um deputado que diz que tem os instintos mais primitivos, dizer que o ódio acabou? Ele (Jefferson) virou bom moço depois que foi cassado? Não sei”, enfatiza o parlamentar.
O presidente do PTB afirmou que não há acordo com o PT ou com o PL, partido que encaminhou a representação contra Roberto Jefferson, para suspender as cassações na Câmara. Martinez disse que o PTB não tem mais nada a perder depois que Jefferson foi cassado e, por isso, não haveria razão para firmar um acordo. “O Roberto só não quer ser massa de manobra. Ele quer que as pessoas que vão pedir as cassações se identifiquem e não usem o nome dele”, reforçou Martinez.
Quanto ao deputado Sandro Mabel, Jefferson disse que pediu a retirada da representação porque o Conselho e as CPIs não encontraram nenhuma prova que incrimine o parlamentar. “Até a Raquel Teixeira (autora das denúncias contra Mabel) recuou em suas acusações”, ressaltou o ex-parlamentar, pela assessoria. A deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) disse que Mabel havia feito, em 2003, uma proposta para que ela se filiasse ao PL. Em troca, a deputada receberia uma mesada de R$ 30 mil, além de uma bolada de R$ 1 milhão no fim do ano.
O presidente do Conselho telefonou ontem para Martinez e aconselhou o correligionário a não retirar o pedido de representação. “Vai pegar mal para o partido. Ninguém pode retirar o pedido. Eu já avisei para ele (Flávio Martinez) que nós não vamos aceitar”, enfatizou Izar. O deputado informou que Dirceu e Mabel podem recorrer da decisão do Conselho no Supremo Tribunal Federal (STF), mas adiantou que acha improvável que saiam vitoriosos.
O PTB alega que o deputado José Dirceu articulava o pagamento do chamado mensalão, mesada paga pelo PT a deputados que votassem com o governo. Sobre Mabel, pesa a acusação de que ele fazia o mesmo que o ex-ministro da Casa Civil em seu partido, inclusive com a ampliação do número de deputados filiados ao PL, e distribuía o dinheiro aos membros de sua bancada.
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