Entre as propostas discutidas na reforma política que tramita há mais de dez anos no Congresso, o financiamento público de campanhas é o que mais divide opiniões. Parlamentares afirmam que só assim será possível acabar com as campanhas milionárias. Outros pensam no impacto que a medida causaria junto à opinião pública. Afinal, são, no mínimo, R$ 800 milhões dos cofres da União a serem repassados para o caixa dos partidos políticos, distribuídos de acordo com o desempenho das legendas nas eleições anteriores.
Uma idéia é consensual: o financiamento público vai reduzir drasticamente a incidência de recursos irregulares nas campanhas. "Ele diminui a influência do capital privado e facilita a fiscalização dos partidos políticos pela Justiça Eleitoral", afirma o deputado Maurício Rands (PT-PE).
Relator da proposta de reforma política na comissão especial da Câmara, o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO) afirma que o financiamento das campanhas pelo governo, se combinado com o sistema de listas partidárias, vai tornar possível a fiscalização das contas em todo o país. "Uma coisa é auditar 27 partidos, como seria com as listas, e outra coisa é fiscalizar milhares de contas de candidatos como funciona hoje", afirma. Pelo sistema de lista, os eleitores votariam em partidos e não mais em candidatos.
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Para Caiado, o novo modelo de financiamento vai permitir que a Justiça Eleitoral tenha a real noção dos gastos de cada campanha, já que toda a verba utilizada pelos partidos seria inteiramente cedida pelo Estado. "A punição hoje é uma utopia. O candidato faz de conta que declara certo e o TSE finge que acredita. Com isso, ele sabe que nunca vai ser punido e continua subfaturando suas declarações", explica o parlamentar.
Caixa-dois: problema insolúvel
Entre os especialistas, no entanto, a estatização das campanhas não seria o suficiente decretar o fim do caixa dois. O cientista político Bruno Speck afirma que o financiamento público, como é proposto no Brasil, afasta os partidos políticos da sociedade. Segundo ele, o projeto, na ânsia de combater o uso de recursos irregulares, condena todo o tipo de doação privada em campanhas, inclusive as pequenas contribuições de eleitores.
"A proposta não separa o joio do trigo. Restringe inclusive as doações de eleitores, o que é legítimo", afirma. Speck ressalta que o apoio financeiro de pequeno porte é benéfico na relação entre partidos e eleitorado, já que o candidato se sente mais responsável em fazer um bom mandato quando é financiado pelos seus eleitores. "Vivemos numa época em que as relações são monetarizadas. O apoio financeiro de hoje é como o apoio da militância que balançava as bandeiras no passado. O eleitor tem mais legitimidade para cobrar de seu candidato", analisa o especialista.
Para Dinailton Oliveira, especialista em direito eleitoral, o financiamento público, além de não resolver o problema do caixa-dois, possibilita a permanência dos mandatários no poder. "As verbas serão direcionadas, por aqueles que estão no poder, para seus próprios partidos. Isso só vai fortalecer os atuais mandatários", afirma Dinailton.
O projeto de reforma política em tramitação no Congresso prevê a distribuição dos recursos públicos proporcionais ao voto das legendas nas últimas eleições. Os partidos que venceram a disputa nas urnas e estão no poder tendem a receber mais recursos do que aqueles que ficaram na oposição. Esse modelo, segundo Speck, fortalece o chamado situacionismo, ou seja, a permanência da situação no poder.
Mas, para o relator da proposta, o financiamento público, mesmo de forma proporcional, vai equilibrar o volume de recursos para cada partido. Segundo Caiado, os partidos que estão no governo arrecadam muito mais doações privadas que os da oposição. "Não tem situacionismo porque tem partido pequeno que, com o financiamento público, vai receber mais recursos do que recebia antes com doação privada", defende o deputado.
Uma das possíveis soluções para o caixa dois em campanhas é criar incentivos para que candidatos e partidos declarem de forma transparente seus recursos. Na Alemanha, para doações privadas até 2 mil euros (R$ 5,3 mil), o estado dá ao candidato o equivalente a cada euro declarado. "A idéia é coibir o caixa dois e evitar as grandes transferências de empresas privada", explica Bruno Speck.
Pelo projeto que tramita no Congresso, 85% dos recursos para campanha seriam distribuídos às siglas de acordo com os votos conquistados nas eleições anteriores. Outra parte, 14%, iria para todos os partidos que conseguirem eleger pelo menos um representante na Câmara. O restante, 1%, é dividido entre todas as legendas com registro no TSE. "Vai diminuir muito o caixa dois porque o TSE já vai saber, antes da campanha, quanto cada partido poderá investir nas campanhas", defende Caiado.
Uma das alternativas defendida pelos especialistas para coibir o caixa dois é punir o infrator com a cassação automática do mandato quando o volume de recursos irregulares for correspondente a, pelo menos, 20% ou 30% da receita total de campanha. "Mas para isso, é preciso equipar a Justiça Eleitoral para que seja possível identificar essa discordância antes da diplomação. Porque, a partir daí, é muito difícil fazer alguma coisa contra o candidato", reforça Dinailton.
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