Afilhado político do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE), o deputado Ciro Nogueira (PP-PI) não herdou por acaso o título de “príncipe do baixo clero”. Aos 36 anos, o atual corregedor-geral da Casa repete o discurso que levou ao poder o seu antecessor, o “rei do baixo clero”, em fevereiro. Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, ele desafia os líderes partidários ao defender tratamento igualitário entre todos os 513 deputados.
“Há quem entenda que esta Câmara é composta por uma casta de iluminados, detentores de uma espécie de aura prodigiosa, capaz, por isso mesmo, de conduzir uma grande massa de cinco centenas de parlamentares como se esses fossem apenas um número a mais no Plenário”, afirma, numa crítica direta aos líderes das bancadas.
Ciro foi um dos três candidatos que responderam às cinco perguntas feitas pela reportagem a todos os postulantes à presidência da Câmara. Outros dois deputados também não fugiram ao questionamento: o sempre polêmico Jair Bolsonaro (PP-RJ) e o experiente Alceu Collares (PDT-RS), o mais veterano dos que estão na disputa. Os demais não deram retorno.
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Veja a seguir as principais diferenças entre Ciro, Bolsonaro e Collares:
Congresso em Foco – Por que motivo os seus colegas deputados devem votar no senhor?
Ciro Nogueira – No grave momento institucional, a melhor resposta que podemos dar é arregaçar as mangas e colocar a Câmara novamente pra funcionar. Um presidente como eu, que não possua o carimbo de governista nem de oposicionista, é a escolha certa para que esta Casa retome o rumo, votando as matérias de interesse do país e traduzindo em leis os anseios da sociedade. Há quem entenda que esta Câmara é composta por uma casta de iluminados, detentores de uma espécie de aura prodigiosa, capaz, por isso mesmo, de conduzir uma grande massa de cinco centenas de parlamentares como se esses fossem apenas um número a mais no Plenário. Eu não penso assim. Vejo em cada companheiro, em cada companheira, antes de tudo um líder, que só chegou a esta Casa por meio do voto direto de seus concidadãos. E líderes merecem respeito. Do ponto de vista da presidência da Câmara, respeitar um líder significa permitir que a influência de cada um seja respeitada. Não existem deputados ou deputadas de primeira ou de segunda classe. Sendo eleito, os parlamentares podem estar certos de que, na presidência, estarei vendo sempre 513 líderes: 513 líderes com o compromisso de trabalhar pelo Brasil.
Jair Bolsonaro – Nas últimas eleições, além do meu voto, eu só tive mais um. Eu não vou me iludir no tocante a obter o apoio dos parlamentares. Eles estão arraigados com seus respectivos partidos. Eu, não. Nunca votei com meu partido nesta Casa. Já fui do PFL, já fui do PTB e do PP. Partido, para mim, é secundário. O que vale é o compromisso que eu tenho com meus eleitores, e não com os interesses eventuais da cúpula do meu partido. Assim sendo, sou uma pessoa não-confiável para exercer um cargo nesse sentido, porque falta para mim acordo partidário, coisa que eu não consegui ainda digerir nesses quatro mandatos que tenho na Câmara. Nas eleições, não vale plataforma, nem simpatia. O que vale, na verdade, são as eleições presidenciais de outubro do ano que vem. O presidente da Câmara, de acordo com seu comportamento, pode muito favorecer o candidato de seu agrado. É isso que está em disputa.
PublicidadeAlceu Collares – Apresentei minha candidatura porque há temas que precisam ser debatidos imediatamente. Um é a extinção da medida provisória, que é igual ao decreto-lei dos tempos da ditadura e torna o Congresso um departamento do Executivo. Quem legisla é o presidente. Destaco, também, entre outras propostas, a necessidade de acabar com a desproporcionalidade da representação parlamentar, a causa da desagregação institucional.
Congresso em Foco – Como a Câmara pode superar a atual crise de credibilidade?
Ciro Nogueira – Proponho iniciar imediatamente uma agenda de trabalho comum com as demais instâncias da vida nacional, de modo a transformar em lei temas cruciais. A crise política não apenas a única que contribui para a má-imagem da instituição, mas também a paralisia. Vamos colocar a Casa pra funcionar.
Jair Bolsonaro – A superação é cortar esse cordão umbilical que ela tem com o governo federal. Uma Câmara que seja independente, realmente, como reza a nossa Constituição. E não apenas, como tem acontecido nos últimos anos, um ministério de segunda categoria do presidente da República.
Alceu Collares – Enquanto não se estabelecer o instituto da proporcionalidade – um homem, um voto –, previsto pela Constituição, não haverá democracia plena no Brasil. Defendo, ainda, a eliminação do voto secreto. O voto deve ser nominal e aberto para que o eleitor acompanhe as posições de seu representante no Parlamento.
Congresso em Foco – A recuperação da credibilidade do Congresso passa necessariamente pela cassação dos 16 deputados sujeitos à perda do mandato?
Ciro Nogueira – Acredito que a sociedade está cada vez mais atenta à vida política do país e, com o auxílio da mídia, exerce um controle sobre o que acontece não só no governo como também no Parlamento. Ou seja, o povo cobra respostas para as denúncias que surgem. O que eu tenho defendido é que os culpados sejam punidos exemplarmente e que os inocentes sejam inocentados. Mas com provas, com base em investigações responsáveis e satisfatórias.
Jair Bolsonaro – Passa pela cassação de todos os que estejam envolvidos, seja pessoalmente, por meio de parentes ou funcionários que tenham recebido dinheiro do valerioduto, como outros que, porventura, tenham ferido o decoro parlamentar. Aí você recupera a credibilidade, porque acaba inibindo condutas ilegais, e a Câmara começa a produzir para o povo.
Alceu Collares – Sim, não há outro caminho.
Congresso em Foco – Quais as prioridades que o senhor defende para a agenda legislativa da Câmara até 2006?
Ciro Nogueira – Quero discutir a autonomia do Legislativo, que vem sendo afrontada com o excesso de medidas provisórias, as quais não atendem aos critérios constitucionais de relevância e urgência. Temas como reforma política, orçamento impositivo, entre outros, são relevantes, mas desejo construir a agenda em conjunto com os parlamentares, democraticamente. Temos o compromisso de corrigir os problemas da Câmara, mas isso começa mantendo o que talvez seja a maior conquista da história recente desta Casa: todo parlamentar, cada um dos 513 líderes, tem o direito de participar em posição de destaque na discussão dos projetos relevantes para o país. Então, temos que definir a agenda legislativa em conjunto.
Jair Bolsonaro – Isso é muito simples. O que não falta nesta Casa é projeto de parlamentares. É preciso colocar em votação alguns mais importantes, aqueles que visem ao bem-estar do nosso país. Por exemplo, tem projeto aqui que reduz a maioridade penal, e isso é um freio na criminalidade juvenil. Tem projeto que pretende descriminalizar a laqueadura para colaborar com o controle de natalidade. Temos propostas para que o policial militar possa adquirir a pistola .40, uma arma que está fazendo falta no combate à criminalidade. São algumas propostas que têm de ser colocadas em votação. O resto vem naturalmente.
Alceu Collares – As propostas que apresentei na minha candidatura para a reforma das instituições são a substituição da medida provisória pela lei delegada, com fundamento na relevância e urgência da matéria, o fim da votação secreta e a redução do recesso remunerado de três meses para 30 dias, como as férias dos trabalhadores. A Câmara e o Senado serão mais eficientes se funcionarem durante 20 dias seguidos, de segunda a sexta-feira, alternados com dez dias para visitas aos estados. Defendo o fim da remuneração das convocações extraordinárias como acontece em algumas Câmaras de Vereadores e na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul e da criação de várias CPIs para os mesmos fatos determinados. É preciso mudar a metodologia de inquirição com o objetivo de evitar o exibicionismo de alguns parlamentares. A reforma política deve ser o resultado de um debate com a sociedade brasileira. Não pode ser o remendão que está sendo sugerido. É preciso mudar o sistema de nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal para evitar que o Judiciário fique submisso ao Executivo. Acabar com a desproporcionalidade na representação parlamentar, que atinge a democracia e causa desagregação institucional. O Norte, Nordeste e o Centro-Oeste, com menos população, têm maior representação na Câmara, o que violenta o princípio constitucional da igualdade, um homem um voto, previsto no artigo 14 da Constituição Federal. Um voto de estados dessas regiões equivale a 31 votos do Rio Grande do Sul e 40 votos de São Paulo.
Congresso em Foco – Que tipo de relacionamento o senhor pretende estabelecer com o governo federal?
Ciro Nogueira – A posição do Legislativo deve ser de independência e a do presidente da Câmara, de neutralidade, tendo sempre em primeiro lugar os anseios da população. Os três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – devem manter relacionamento de cordialidade, mas cada um mantendo a sua função.
Jair Bolsonaro – Se um dia eu for presidente da Câmara, simplesmente respeitarei o Executivo, e exigirei do outro lado o mesmo tratamento. Isso é mais do que suficiente para conduzir satisfatoriamente um poder importante como é o Legislativo brasileiro.
Alceu Collares – Uma relação de respeito e independência entre os poderes.
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