Reportagem – é o aprofundamento de uma notícia ou o mergulho em um fato importante, mesmo que não seja recente, em busca de revelações exclusivas. A reportagem, na acepção aqui utilizada, está no universo do “jornalismo investigativo”, que remete ao esforço para tornar públicos fatos relevantes que autoridades ou pessoas poderosas gostariam de manter ocultos. Uma boa reportagem requer pesquisas intensas, entrevistas com grande diversidade de fontes, reiteradas checagens e cuidado especial na apresentação do conteúdo final, que pode trazer complementos como vídeos, infográficos, mapas e painéis de visualização de dados. Também deve trazer – ou, no mínimo, tentar obter – as explicações de quem pode ter sua imagem arranhada pela sua publicação.
Apontado até por adversários políticos como um dos quadros mais bem preparados da CPI dos Correios, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) admite que a comissão não terá condições de identificar todo o esquema assumido por Delúbio Soares e Marcos Valério Fernandes e que o resultado das investigações vai frustrar a opinião pública, qualquer que seja ele.
“É uma história feita por profissionais, no bom e no mau sentido. Gente competente, que evita deixar rastro. Dificilmente o Brasil vai ter clareza sobre o que aconteceu. Pode ser que daqui a 100 anos, quando todos estiverem mortos, consiga-se ter maior clareza sobre o que se passou. Essa é uma história que nunca vai se fechar por completo”, avalia Fruet, sub-relator de Movimentação Financeira da CPI.
Publicidade
Doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), o deputado diz que há uma incompreensão generalizada sobre o poder das CPIs mas que, ainda assim, as investigações terão desdobramento na Justiça. “Virou novela, terminou o capítulo de ontem e já querem saber hoje quem será o próximo bandido da história. É como se nas CPIs tivesse de haver sempre o bandido e o herói. Essa construção gera uma distorção”, observa.
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco , Fruet defende o aprofundamento da crise como método de “assepsia” política e faz um alerta para aqueles que apostam numa imediata melhoria do país após a atual onda de escândalos. “Será que isso vai mudar o posicionamento do eleitor, das pessoas, dos grupos políticos e econômicos no ano que vem? Não sei. Que ninguém se iluda: não vai acabar a corrupção, o que pode melhorar são os instrumentos de controle. Crise significa também um degrau da purificação. Ela vai tornar as pessoas mais críticas e mais descrentes também. Ou seja, mais criteriosas e rigorosas, sem acreditar que está vindo um messias para salvar suas vidas.”
Publicidade
As intervenções quase sempre ponderadas do tucano na CPI dos Correios servem de contraponto às manifestações incendiárias de alguns de seus colegas de oposição, como os deputados Eduardo Paes (PSDB-RJ) e Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). O que não o impede, porém, de demonstrar irritação com a insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dizer que não tinha conhecimento das irregularidades praticadas pelo PT em seu governo.
“Lula não é nenhum incompetente. Não é bobo, é muito inteligente. Chegou aonde chegou não por acaso, sabendo com quem lidava. Perdeu três eleições para ganhar na quarta. Ele sabe com quem lidou e o quanto pagou, em todos os sentidos, inclusive financeiramente, para chegar à presidência”, afirma.
O tucano também reage à investida do PT para cassar o mandato do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente nacional do partido, que teria recebido dinheiro de Marcos Valério nas eleições de 1998. Segundo Fruet, ao mirar em Azeredo, o Partido dos Trabalhadores corre o risco de precipitar a derrubada de Lula. “A justificativa de ambos é a mesma: a de que não tinham conhecimento do que se passava. Se o PT acha que acertou o general do PSDB, vai perder o seu marechal”, brinca.
Filho do ex-prefeito de Curitiba Maurício Fruet (PMDB), o deputado chegou à Câmara em 1999, após assumir a candidatura do pai, morto às vésperas da eleição. Com os 105 mil votos recebidos em 2002, renovou o mandato como o segundo deputado mais bem votado pelo Paraná. Após 13 anos de PMDB, filiou-se em 2005 ao PSDB, depois de romper com o governador Roberto Requião.
Congresso em Foco – Quais tipos de crime a CPI dos Correios conseguiu comprovar até agora?
Gustavo Fruet – Corrupção, advocacia administrativa, tráfico de influência, possivelmente lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal e crime eleitoral. A questão dos crimes eleitorais precisa ser analisada em separado. Verificou-se nos investigados a estratégia de resumir tudo a crime eleitoral, um crime de menor impacto e, na maior parte das vezes, já prescrito. Nós estamos em três frentes de investigações na CPI dos Correios: a análise dos 38 contratos dos Correios, a movimentação financeira do Marcos Valério e de outros investigados e a movimentação telefônica. Já temos no sistema 1,5 milhão de ligações telefônicas de dez operadoras. Evidentemente que isso tende a aumentar. A partir daí queremos verificar se existia uma coordenação maior, passando por Marcos Valério, para financiar partidos e políticos neste governo. E isso não é caixa dois, porque aconteceu inclusive depois das eleições, já com pessoas e empresas que têm interesse no governo. E também verificar se houve degradação no processo de indicação das diretorias por partidos políticos.
Mas em que casos especificamente a corrupção está caracterizada? São indícios que estão sendo verificados. Quando se constata que há irregularidades em contratos, superfaturamento, subcontratação sem previsão, serviços não realizados e existência de notas frias, fica evidente que há uma forma de repasse de recurso para uma contrapartida. É corrupção ativa e passiva. O fato mais explícito até agora são os empréstimos feitos por Marcos Valério para pagar pessoas ligadas ao PT. Nesse caso há três hipóteses. Ou os empréstimos foram feitos para não serem cobrados – considerando-se as garantias que foram dadas –, ou para que Marcos Valério pagasse – tendo como contrapartida o aumento expressivo de contratos com o governo – ou eles estão sendo usados para justificar uma origem que a gente dificilmente vai conseguir apontar devido à pulverização da movimentação bancária e financeira e da contabilidade das empresas de Marcos Valério.
“Está se esperando que ele (Marcos Valério) diga o seguinte: ‘Emprestei os R$ 55 milhões e, em contrapartida, o governo me deu o contrato dos Correios’. É pouco provável que isso aconteça. É acreditar em Papai Noel”
Quanto à origem dos recursos que movimentaram esse esquema, em que sentido está comprovado que houve utilização de dinheiro público? Os maiores contratos de Marcos Valério são com o governo. Por que ele faria empréstimos de R$ 55 milhões ao PT? Temos de ter clareza em um ponto. Está se esperando que ele diga o seguinte: “Emprestei os R$ 55 milhões e, em contrapartida, o governo me deu o contrato dos Correios”. É pouco provável que isso aconteça. É acreditar em Papai Noel. A questão é: por que esses R$ 55 milhões de empréstimos não estavam sendo executados? Por que Marcos Valério fez isso? Qual a vantagem? Por que ele fez isso? Não se aceitar a idéia de que foi por contrapartida e benefício é acreditar que ele fez tudo atendendo ao amigo Delúbio Soares.
A CPI já conseguiu identificar a participação dos bancos Rural e BMG nesse esquema? Que benefício eles teriam ao liberar esses empréstimos milionários sem garantias mais sólidas? São duas situações diferentes. No BMG já comprovamos a existência dos empréstimos e o pagamento nas contas de Marcos Valério e uma sucessão de coincidências. O BMG fez o primeiro empréstimo para o PT no dia 17 de fevereiro. No dia 20 de fevereiro, o presidente do banco esteve com o (então) ministro da Casa Civil, José Dirceu, e no dia 24 fez um empréstimo a Marcos Valério no valor de R$ 12 milhões por meio da SMP&B. Como garantia, ele teve contratos com a Eletronorte e os Correios. O segundo contrato de empréstimo, que teve como garantia um contrato de publicidade com os Correios, foi de quase R$ 90 milhões. Além disso, Marcos Valério deu como garantias CDBs (Certificados de Depósito Bancário) do próprio BMG. No caso do Banco Rural, ele deu como garantia um contrato de publicidade com o Banco do Brasil, que tem inclusive uma cláusula expressa proibindo esse tipo de negociação. Ou seja, são bancos que não têm tradição de emprestar para partido, nem de fazer esse tipo de contrato, principalmente o BMG, que não tem característica de um banco comercial. No caso do Banco Rural, foram dados empréstimos sem respeito a provisionamento, o que já é objeto de fiscalização do Banco Central, e tendo como garantia um contrato de publicidade que tem uma cláusula expressa que proíbe sua utilização para esse fim.
Qual é a grande dúvida em relação a isso? No final, a dúvida que vai ficar é esta: se esses empréstimos seriam efetivamente cobrados ou se, eventualmente, Marcos Valério não estaria intermediando interesses desses bancos junto ao governo.
Não houve falha do Banco Central, que não suspeitou desse tipo de transação vultosa? O Banco Central informa que recebe o relatório de todas as instituições financeiras sem a especificação de cada contrato, a não ser quando se tem uma denúncia específica. Isso mostra que o Brasil precisa melhorar o sistema de fiscalização. Demonstrou-se uma série de falhas no filtro do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), da Receita Federal, do Banco Central, da CGU (Controladoria Geral da União), do TCU (Tribunal de Contas da União) e da Polícia Federal. Em algum momento, um desses canais falhou. Não quer dizer que tenha havido má-fé. É bom não confundir ineficiência com má-fé.
Os indícios levantados até aqui contra o BMG e o Banco Rural não são suficientes para uma intervenção do Banco Central? Isso eu não sei. Toda declaração nesse sentido pode provocar polêmica. Tomo cuidado, porque tem aquela história do risco sistêmico. Mas são situações diferentes as do BMG e do Banco Rural, que já tem um histórico de fiscalização muito forte.
“O problema é que todos pensam que, já que atingiu o presidente, tem de ocorrer impeachment. Como se fosse oito ou oitenta. Na democracia quem julga é o povo. Se o povo achar que não tem nada de errado nisso, que reeleja o Lula”
Quando o publicitário Duda Mendonça admitiu, na CPI dos Correios, ter recebido dinheiro de caixa dois do PT pela campanha de 2002, houve a sensação de que aquele depoimento havia atingido de forma irreversível o presidente Lula. Por que de lá pra cá houve um arrefecimento na CPI em relação àquela denúncia? Politicamente a crise já atingiu o presidente. As pessoas mais próximas dele foram pegas em contradições. Na política, para se ganhar credibilidade, muitas vezes, leva-se uma vida inteira, mas, para perdê-la, basta uma palavra ou um gesto. O presidente Lula e o PT levaram anos para construir uma imagem. De repente, pessoas próximas ao presidente, como José Dirceu, Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Duda Mendonça foram pegas em uma série de contradições e desvios. O exemplo de Duda é emblemático. A pessoa que defendeu a ética e a verdade na política recebeu dinheiro para fazer a campanha de Lula no exterior, sem declarar à Receita Federal. Isso atingiu politicamente o presidente. O problema é que todos pensam que, já que atingiu o presidente, tem de ocorrer impeachment. Como se fosse oito ou oitenta. Na democracia quem julga é o povo. Se o povo achar que não tem nada de errado nisso, que reeleja o Lula. Se achar que tem coisa errada, ele também vai dar a resposta nas ruas. O presidente está perdendo autoridade. São poucos os auxiliares do início do governo que ainda se mantêm hoje. Os principais operadores políticos do governo estão baleados.
“A omissão e a incompetência, às vezes, fazem um mal igual à corrupção. De um presidente da República se espera algo mais do que se sentir traído ou indignado. Tem de tomar decisão”
Mas há elementos que comprovem que o presidente Lula sabia das irregularidades? São duas situações graves. Ou o presidente sabia – há de se lembrar que o ex-ministro Dirceu afirmava que tudo o que ele fazia era de ordem e conhecimento do presidente. Ou o presidente não sabia – o que é tão ou mais grave. A omissão e a incompetência, às vezes, fazem um mal igual à corrupção. De um presidente da República se espera algo mais do que se sentir traído ou indignado. Tem de tomar decisão. Se o presidente não tem esse grau de controle do governo, o risco é ele passar a imagem de alguém que não está preparado para administrar. Houve um preconceito – inaceitável, como todo preconceito – de que, por não ter diploma, Lula não poderia chegar à presidência. Hoje se procura relativizar dizendo-se que ele é uma pessoa de bem, íntegra e que não tinha conhecimento de todos os detalhes dos operadores que agiam em nome dele.
“Lula não é nenhum incompetente. Não é bobo, é muito inteligente. Chegou aonde chegou não por acaso, sabendo com quem lidava. Perdeu três eleições para ganhar na quarta. Ele sabe com quem lidou e o quanto pagou”
Não existe a menor possibilidade de isso ser verdade? O José Dirceu teve delegação para agir em nome dele (Lula) com os partidos e o Congresso. O presidente conversou com o Valdemar Costa Neto e o Roberto Jefferson. O Delúbio é da história do presidente. Lula não é nenhum incompetente. Não é bobo, é muito inteligente. Chegou aonde chegou não por acaso, sabendo com quem lidava. Perdeu três eleições para ganhar na quarta. Ele sabe com quem lidou e o quanto pagou, em todos os sentidos, inclusive financeiramente, para chegar à presidência. Nessa história de diminuir a responsabilidade do presidente, dizendo que ele é vítima, pondo-o até como um coitado, há um limite muito tênue para não se passar a imagem de alguém que não sabe o que acontece em seu governo.
“Está claro que compraram parte expressiva de dirigentes partidários para ter apoio no Congresso e que houve contrapartida. Não sei mais o que falta pra comprovar isso”
Não há nenhuma dúvida também em relação à participação do ex-ministro José Dirceu nas irregularidades identificadas até o momento? É o mesmo caso do presidente Lula. De repente, o Delúbio agiu sozinho? Nós estamos vivendo os extremos. De um lado, há de se ter provas. Não se pode fazer acusação sob pena de cair na leviandade. Por outro lado, parece que tudo o que já veio a público não satisfaz. Está todo mundo esperando o último recibo, o último cheque ou a última imagem. Pra mim, isso já é grave. Aponta desvio brutal em todos os sentidos, uma distorção no relacionamento com o Congresso. Está claro que compraram parte expressiva de dirigentes partidários para ter apoio no Congresso e que houve contrapartida. Não sei mais o que falta pra comprovar isso.
Todos os políticos beneficiados pelo esquema alegam que não sabiam de nada e jogam a responsabilidade para os tesoureiros. Os tesoureiros são os mordomos dessa história? Para acabar com essa brincadeira dos tesoureiros, que se fazem de bobinhos, a Receita Federal abriu uma ação fiscal contra cada um deles. A Simone Vasconcelos (diretora administrativa de uma das empresas de Marcos Valério Fernandes) e os sacadores vão ter de dizer por que receberam e pra quem deram o dinheiro. Não basta dizer que deram para o fulano de tal. Se eles não comprovarem, vão sofrer multa que equivale a 60% do valor sacado. Isso é pra acabar com essa brincadeira de achar que todo mundo é imbecil e aceita essa história. O problema é que isso vai acontecer mas num tempo muito distante das CPIs. Isso é ruim, porque o nosso tempo é diferente de uma investigação policial, judicial ou administrativa, que está sendo levada a efeito pela Receita. De qualquer maneira, essas pessoas que acham que estão fazendo um serviço de lealdade ao assumir toda a responsabilidade vão responder pelo menos perante a Receita Federal.
“Virou novela, terminou o capítulo de ontem e já querem saber hoje quem será o próximo bandido da história. É como se nas CPIs tivesse de haver sempre o bandido e o herói. Essa construção gera uma distorção”
As CPIs têm um poder limitado de punição. Podem propor, no máximo, o indiciamento dos envolvidos ao Ministério Público. Por mais que as investigações avancem, não fica sempre a impressão de que a CPI terminou em pizza? Essa causa está perdida. Sempre vai haver essa história, mesmo que se cassem 18 ou 30 deputados, porque há uma incompreensão com relação ao funcionamento de uma CPI. Há, sim, uma compreensão com relação à tentativa de abafa, que evidentemente existe. Nós estamos em uma fase de guerrilha, porque se acostumou nos últimos dois meses com a necessidade de haver uma coisa impactante todo dia. Virou novela, terminou o capítulo de ontem e já querem saber hoje quem será o próximo bandido da história. É como se nas CPIs tivesse de haver sempre o bandido e o herói. Essa construção gera uma distorção. O limite para o lado emocional é muito pequeno. Por mais que se faça, essa imagem já pegou.
“Se quiserem cassar Eduardo Azeredo, vamos ter de cassar o presidente Lula. Se o PT acha que acertou o general do PSDB, vai perder o seu marechal”
Um dos próximos capítulos dessa novela deve ser a relação de Marcos Valério com o PSDB em Minas, por causa do financiamento das eleições de 1998. Isso pode determinar um novo rumo para as investigações? O PT está precisando de um troféu e escolheu o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Tem de investigar, mas, insisto, essa estratégia tenta confundir tudo com caixa dois. Em vez de responder, é tentar transferir responsabilidade. É legitimar um erro com um erro do passado. Se o Eduardo Azeredo errou, o PT fez um upgrade . Se quiserem cassar Eduardo Azeredo, vamos ter de cassar o presidente Lula. É essa noção política que o PT não está tendo. A justificativa de ambos é a mesma: a de que não tinham conhecimento do que se passava. Se o PT acha que acertou o general do PSDB, vai perder o seu marechal.
“Não é questão política. É disputa comercial de cachorro grande (entre os fundos de pensão e o banqueiro Daniel Dantas). Há interesse dos fundos de pensão e disputa comercial pelo controle de operadoras. É uma coisa muito maior do que o Congresso”
A CPI já ouviu representantes de três fundos de pensão e vai tomar o depoimento do ex-ministro Luiz Gushiken e do banqueiro Daniel Dantas. Como a CPI vai lidar com essa disputa entre os fundos de pensão e o banco Opportunity pelo controle da Brasil Telecom? Toda CPI tem jogo político. Temos de ver isso de forma madura, no sentido positivo. Não podemos imaginar que a CPI é um lugar neutro, que só tem comportamento técnico. Precisamos escancarar para acabar com a idéia de que isso pode justificar determinados resultados e atitudes. É claro isso. Não é questão política. É disputa comercial de cachorro grande. Há interesse dos fundos de pensão e disputa comercial pelo controle de operadoras. É uma coisa muito maior do que o Congresso. Isso é fato. Não conheço quem tenha dúvida sobre isso. E vai ficando claro que quem faz oposição ou defende esses grupos ou está fazendo isso porque tem interesses econômicos – e isso tem de ficar muito claro – ou porque tem alguma forma de relacionamento com eles. A CPI tem de tomar cuidado, porque a questão dos fundos de pensão é muito maior do que o que está sendo investigado pelas comissões.
“Pode ser que daqui a 100 anos, quando todos estiverem mortos, consiga-se ter maior clareza sobre o que se passou. Essa é uma história que nunca vai se fechar por completo”
Isso pode comprometer os trabalhos da CPI? Há o risco de os fundos de pensão engolirem os trabalhos das CPIs. Por que começou essa investigação? Porque há suspeita de que recursos dos fundos possam ter sido usados por corretoras ou instituições financeiras que intermediaram compra e aquisição de títulos, negociaram taxas de juros e causaram eventuais prejuízos aos fundos, em benefício de corretoras, partidos políticos ou pessoas indicadas por Delúbio Soares. Essa é uma das linhas de investigação. Outra investigação é de que algumas operadoras de telefonia poderiam, para ter a simpatia de pessoas ligadas ao governo que têm influência sobre os fundos de pensão, ter alimentado esse sistema de financiamento. É uma história feita por profissionais, no bom e no mau sentido. Gente competente, que evita deixar rastro. Dificilmente o Brasil vai ter clareza sobre o que aconteceu. Pode ser que daqui a 100 anos, quando todos estiverem mortos, consiga-se ter maior clareza sobre o que se passou. Essa é uma história que nunca vai se fechar por completo.
Que esclarecimentos a CPI vai cobrar do banqueiro Daniel Dantas? É muito pouco provável que as pessoas que estão vindo à CPI, como investigadas ou testemunhas, contem o que realmente ocorreu. Quais as perguntas que estão no ar? Se realmente houve tráfico de influência, se ele ajudou no financiamento, se repassou recursos a alguma corretora, a Marcos Valério ou a pessoas indicadas pelo governo. Mas é pouco provável que alguém vá contar isso. É melhor qualificar, ter acesso à documentação, que é uma prova material, do que ficar esperando que essas pessoas, que são profissionais, geralmente frias e muito bem preparadas, possam ajudar com esclarecimentos.
Havia uma reclamação por parte dos parlamentares de que os documentos não estavam sendo enviados à CPI. Houve alguma mudança nesse sentido? Demorou muito. Além de chegarem com atraso, chegaram sem uma sistematização. Cada empresa mandou com um formato diferente. Isso dificultou o acesso. É a primeira vez que uma CPI trabalha com meios magnéticos. Nas anteriores, os trabalhos tinham de ser digitados. Agora foi estabelecida uma mídia para as operadoras de telefone, para os bancos e para a análise dos contratos. Com isso, podemos fazer um cruzamento de informação. Nós já temos 1,5 milhão de ligações telefônicas registradas através de dez operadoras. Mas, para fazer o cruzamento de informações, a partir do momento em que tivermos o banco de dados carregado, será rápido.
Em relação à denúncia que originou a CPI, está comprovado que o deputado Roberto Jefferson gerenciava um esquema de corrupção nos Correios? Ele não gerenciava. Mas o deputado tinha pessoas que trabalhavam lá para levantar recursos para o partido. Precisamos identificar por que houve tantas mudanças na diretoria dos Correios durante tão pouco tempo.
O presidente Lula e o senador Eduardo Azeredo alegam que não sabiam do uso de caixa dois em suas campanhas. Pela experiência que o senhor na vida política, é possível que um candidato não saiba de onde vêm os recursos que financiaram sua campanha? É muito pouco provável. Nunca disputei eleição majoritária. Mas sei exatamente de onde veio o dinheiro e o que gastei na campanha a deputado federal. Meu pai (Maurício Fruet, ex-prefeito de Curitiba), como candidato majoritário, também tinha o controle. Tudo bem que um candidato não saiba, numa eleição nacional, o que foi gasto num comício em Porto Alegre ou numa mobilização em Manaus. Isso é até compreensível. Agora, não ter noção no atacado de quem está operando por delegação dele é preocupante. O limite é muito tênue. Repito: o presidente sabe, não é bobo, ele é muito inteligente e não chegou ali por acaso. Essa história de tentar aliviar para o seu lado não dá. Corre o risco de passar a imagem de alguém que não controla o governo, que não sabe o que fizeram Dirceu e Delúbio, pessoas que em nome dele trabalharam na campanha e no governo. Pelo amor de Deus!
“Temos que aprofundar a crise, até por um fator de assepsia. Mas sem ilusão. Não é o bem contra o mal. Parece até que o mundo é dividido entre os bons e os políticos. Se fosse assim, a gente isolava o Congresso e acabava com a maldade no Brasil”
Poucas vezes o Congresso Nacional teve uma imagem tão ruim como agora. Que resposta é necessário dar à sociedade? As últimas pesquisas estão dentro da imagem negativa histórica do Congresso. Pode haver um pico a mais ou a menos num determinado. Mas falar em política é pior que associar o nome de alguém a xingamento. Isso é histórico. Por isso temos que aprofundar a crise, até por um fator de assepsia. Mas sem ilusão. Não é o bem contra o mal. Parece até que o mundo é dividido entre os bons e os políticos. Se fosse assim, a gente isolava o Congresso e acabava com a maldade no Brasil. Há uma regra numa democracia que não precisa de lei: é o caráter. Se dentro do Congresso está o corrupto, lá fora está quem o corrompeu. Tem muita gente que passa uma imagem de santo e tenta transferir a responsabilidade só pra quem está na política. Fora disso, é acreditar num salto de qualidade da humanidade e do Brasil também, que já mudou muito. Vamos passar gerações para mudar certos hábitos da cultura brasileira e da cultura política brasileira. Apesar de tudo o que está acontecendo, o teste será no ano que vem. Se a próxima eleição for mais cara, não sei se terá valido a pena tudo isso. Terá valido apontar o quadro, mas ficarei descrente.
“Será que isso vai mudar o posicionamento do eleitor, das pessoas, dos grupos políticos e econômicos no ano que vem? Não sei. Que ninguém se iluda: não vai acabar a corrupção, o que pode melhorar são os instrumentos de controle”
Há o risco de a revelação desses escândalos não provocar nenhuma mudança no país? Será que isso vai mudar o posicionamento do eleitor, das pessoas, dos grupos políticos e econômicos no ano que vem? Não sei. Que ninguém se iluda: não vai acabar a corrupção, o que pode melhorar são os instrumentos de controle. Crise significa também um degrau da purificação. Ela vai tornar as pessoas mais críticas e mais descrentes também. Ou seja, mais criteriosas e rigorosas, sem acreditar que está vindo um messias para salvar suas vidas. Temos de entender que o Brasil é um país de muitas desigualdades, o grau de formação é muito diferenciado, as realidades locais são muito diferentes, assim como as demandas. Imaginar que vivemos num lugar onde prevalece o voto de opinião é imaginar que vivemos na Suíça, um país com padrão de vida muito bom e que só se reúne para discutir estratégias de políticas públicas. É muito fácil dizer que só o Congresso tem culpa. A imagem negativa da instituição não é de hoje.
Uma crítica que se costuma fazer às CPIs é de que elas não alcançam os corruptores. Foi assim nas CPIs do PC e do Orçamento. Como mudar essa imagem? Chega, mas aí depende da Justiça. Há uma distorção sobre o que é uma CPI. Ela não tem o ritmo de uma investigação policial. Esses processos de condenação têm grau de recurso, de ampla defesa e de contraditórios que devem ser assegurados e que, por vezes, levam anos. Até agora não temos respostas conclusivas da CPI do Banestado. A CPI dos Correios vai ter desdobramentos. Essas decisões dependem do Judiciário, mas essa é uma outra história.
Se você chegou até aqui, uma pergunta: qual o único veículo brasileiro voltado exclusivamente para a cobertura do Parlamento? O primeiro a revelar quais eram os parlamentares acusados criminalmente, tema que jamais deixou de monitorar? Que nunca renunciou ao compromisso de defender a democracia? Sim, é o Congresso em Foco. Estamos há 20 anos de olho no poder, aqui em Brasília. Reconhecido por oito leões em Cannes (França) e por vários outros prêmios, nosso jornalismo é único, original e independente. Precisamos do seu apoio para prosseguir nessa missão. Mantenha o Congresso em Foco na frente!
Não venderemos ou distribuiremos seu endereço de
e-mail a terceiros em nenhum momento. Veja nossa
política de privacidade.
Assine nossa newsletter
Digite o seu email e receba gratuitamente todos os dias nosso boletim eletrônico com as principais publicações do Congresso em Foco.
Quer receber as nossas notícias no Whatsapp?
Adicione o nosso número (61-99435-9758) à sua lista de contatos e envie uma mensagem com a palavra “cadastrar”. Na era das fake news, compartilhe notícias de verdade publicadas com a credibilidade de quase duas décadas do Congresso em Foco.
Quer receber as nossas notícias no Telegram?
Acesse o link https://t.me/congressoemfocotelegram. Na era das fake news, compartilhe notícias verdadeiras publicadas com a credibilidade de quase duas décadas do Congresso em Foco.
Receba nosso aviso de publicação
Seja avisado na hora sobre as nossas publicações. Ative o sino para receber as notificações em sua tela.
Deixe um comentário