O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) classificou o governo Michel Temer como o “mais antiindígena” desde a ditadura militar e um “escritório avançado de latifundiários e de grandes corporações empresariais”. A crítica, publicada em nota divulgada nesta terça-feira (22), é uma resposta à decisão do Ministério da Justiça de anular a ampliação de uma reserva indígena na zona oeste da capital paulista.
Reconhecida em 1987, com 3 hectares, a reserva indígena do Jaraguá, ocupada hoje por cerca de 700 famílias Guarani, foi ampliada para 512 hectares em 2015 após decisão judicial. A ampliação foi derrubada pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, nessa segunda-feira (21). Ele alega que houve “erro administrativo” na demarcação da área e que a reserva foi estabelecida sem a participação do governo estadual. Segundo o governo, a ampliação só teria validade legal se tivesse ocorrido até cinco anos após a demarcação das terras, ou seja, até 1992.
Leia também
Para o Cimi, a portaria é “injusta, discriminatória, vergonhosa e genocida” e condena as famílias indígenas da reserva a viverem confinadas em “espaço insuficiente” em desacordo com seus costumes, usos, crenças e tradições.
<< Governo se une a ruralistas para limitar demarcações de terras indígenas no STF
Publicidade
“O governo Temer anula o direito dos Guarani à sua terra pelo fato deste direito não ter sido reconhecido há, pelo menos, 25 anos pelo Estado brasileiro. Ao culpar e punir as vítimas, Temer eleva ainda mais o nível de cinismo e de injustiça do seu governo”, critica o Cimi, órgão ligado à Igreja Católica.
A criação da reserva era contestada pelo governo de São Paulo na Justiça. Em setembro de 2015, o ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou a paralisação do processo de ampliação da área. A Procuradoria Geral da República recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a paralisação. O ministro Ricardo Lewandowski negou pedido para que o processo de aumento da reserva fosse retomado. O caso, porém, não teve manifestação final do STJ nem do STF.
PublicidadeVeja a íntegra da nota do Cimi:
“Governo Temer condena os Guarani por crimes do Estado Brasileiro – Nota do Cimi sobre a Portaria 683/17 do Ministério da Justiça
É injusta, discriminatória, vergonhosa e genocida a iniciativa do governo Temer, por meio do Ministro da Justiça Torquato Jardim, de anular a declaração de tradicionalidade Guarani da terra indígena Jaraguá, no estado de São Paulo. Ao anular a portaria 581/15, que reconhece como de posse permanente dos Guarani uma área aproximada de 512 hectares, por meio da Portaria 683/17, publicada neste 21 de agosto, o governo Temer condena mais de 700 Guarani a viverem confinados em 3 hectares de terra, espaço flagrantemente insuficiente para os mesmos viverem de acordo com seus usos, costumes, crenças e tradições.
Ao tentar justificar a anulação da Portaria 581/15 afirmando que a mesma só teria legalidade e validade se publicada no máximo 5 anos após a demarcação dos 3 hectares, em 1987, o governo Temer pune os próprios Guarani pela omissão e morosidade do Estado brasileiro. Com a Portaria 683/17, o governo Temer anula o direito dos Guarani à sua terra pelo fato deste direito não ter sido reconhecido há, pelo menos, 25 anos pelo Estado brasileiro. Ao culpar e punir as vítimas, Temer eleva ainda mais o nível de cinismo e de injustiça do seu governo.
Não restam dúvidas de que o governo Temer é o mais antiindígena desde a ditadura militar. Além de não ter publicado portarias declaratórias e decretos de homologação de terras indígenas, Temer agride os povos originários e seus direitos com radicalismo e recorrência. Dentre outras iniciativas, neste sentido, podemos citar: a Portaria 80/17, que institui um Grupo de Trabalho para rever procedimentos de demarcação de terras indígenas no âmbito do Ministério da Justiça; o Decreto 9010/17, que eliminou mais de 300 cargos do quadro de pessoal da Fundação Nacional do Índio (Funai); o Parecer 001/17 da AGU, aprovado pelo Presidente Temer, que, em total desrespeito às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), obriga toda a administração pública a aplicar a tese do Marco Temporal e condicionantes em todos os processos de demarcação de terras indígenas no Brasil.
O governo Temer funciona como um escritório avançado de latifundiários e de grandes corporações empresariais, muitas delas multinacionais, ligadas ao agronegócio no Brasil. Enquanto estes espalham o terror no campo e nas florestas por meio de assassinatos em série e grilagem em massa de terras públicas, o governo Temer os premia e os ajuda estruturalmente na tentativa de eliminarem os povos indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais, demais comunidades tradicionais, pequenos agricultores, posseiros, campesinos e trabalhadores rurais sem terra no Brasil.
A exportação de commodities agrícolas é o combustível que abastece e legitima o funcionamento dessa máquina da morte Brasil afora. A sociedade brasileira, a comunidade internacional e os governos cujos países importam essas mercadorias precisam estar cientes disso e devem tomar medidas efetivas para colocar um freio nessa situação.
Diante dos golpes e agressões em curso contra os povos originários, cumpre-nos fazer ressoar as palavras do Papa Francisco que interpela o mundo ao afirmar que “com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida”. (Laudato Si 146).
Repudiamos com veemência a publicação da Portaria 683/17 e cobramos sua imediata revogação. Por fim, manifestamos irrestrita solidariedade aos Guarani e com eles afirmamos: o Jaraguá é Guarani.
Brasília, DF, 22 de agosto de 2017
Conselho Indigenista Missionário-Cimi”
<< Em vídeo, entenda o que é o marco temporal em julgamento no STF
<< Fórum: o Supremo e a (não) demarcação de terras indígenas
<< Chico Leite: a luta pela demarcação das terras indígenas
Deixe um comentário