A MP 678 foi a primeira a sofrer os efeitos da decisão do STF, em sessão de 15 de outubro, proibindo a inclusão de emendas de redação estranhas ao conteúdo das medidas provisórias – hábito parlamentar (ou “costume inconstitucional”, segundo o Supremo) que também ganhou apelidos como “contrabando” e “colcha de retalhos”. Em sua decisão, Barroso suspende a tramitação do PLV 17/2015, à exceção de seus trechos originais, que continuam em vigência tal qual foram editados pelo Executivo.
Mas, caso a presidenta Dilma Rousseff opte por sancionar os jabutis, Barroso determinou na liminar que a ação presidencial não terá validade. “Caso sancionado o projeto em pontos diversos daqueles excepcionados acima [leia abaixo, na íntegra da liminar], fica a eficácia de tais dispositivos suspensa até posterior deliberação”, registra o documento. A decisão foi magistrado, que ainda carece de apreciação em caráter definitivo, foi uma resposta a mandado de segurança ajuizado pelo senador Alvaro Dias (PSDB-PR).
“A plausabilidade das alegações [do senador] decorre da tese recentemente firmada por este Tribunal no julgamento da ADI [ação direta de inconstitucionalidade] 5.127, acompanhada da modulação de efeitos da decisão. Na ocasião, o Plenário reconheceu a ‘impossibilidade de se incluir emenda em projeto de conversão de Medida Provisória em lei com tema diverso do objeto originário da Medida Provisória’, em síntese, porque tal prática subtrai do Presidente da República a competência para avaliar as matérias com relevância e urgência a serem tratadas em medida provisória; viola o devido processo legislativo ordinário; e compromete o princípio democrático, ao suprimir uma importante parcela do debate que deve transcorrer no Congresso”, diz trecho da liminar.
Enxerto
Durante as discussões da MP 678, parlamentares adicionaram ao texto original a possibilidade de estender as regras do RDC – instrumento que visa simplificar procedimentos contratuais, o que pode abrir brechas para fraudes – para “serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística”, por exemplo. Com o dispositivo extra, tais projetos facilitariam também “contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino e de pesquisa, ciência e tecnologia”.
Mas a decisão do STF decorreu do julgamento sobre a vigência da Medida Provisória472/2009, questionada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL). Aprovada em março de 2010, a medida extinguiu a profissão de técnico em contabilidade e versou sobre diversos outros assuntos, a exemplo do programa Minha Casa, Minha Vida. Mesmo apontando a ilegalidade das disposições da MP, a maioria dos ministros entendeu que a norma mantém sua validade, devido ao princípio da retroatividade da lei. Segundo esse conceito, deliberações colegiadas não podem ser anuladas em decisões judiciais posteriores.
Nos últimos anos, o hábito de incluir dispositivos sem relação com a essência das medidas provisórias tem gerado discussões acaloradas nos plenários da Câmara e do Senado, com direito a rejeição de algumas dessas MPs em votações importantes. Um exemplo emblemático desse tipo de expediente chamou a atenção do Congresso em Foco em outubro de 2012: o então líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), recorria a toda e qualquer medida enviada ao Congresso para tentar extinguir, por meio dos jabutis, a obrigatoriedade do exame de admissão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Relembre:
Deputado tenta extinguir prova da OAB emendando medidas provisórias
Leia a íntegra da liminar do ministro:
Nos mandados de segurança de competência originária dos tribunais, cabe ao relator apreciar os pedidos de medida liminar (Lei no 12.016/2009, arts. 7º, III, e 16). Em síntese, são dois os pressupostos para seu deferimento: o fumus boni iuris, i.e., a plausibilidade ou o fundamento relevante do direito alegado, e o periculum in mora, i.e., o risco de que o passar do tempo durante a tramitação do processo torne inócua a decisão que se venha a proferir ao final. Os requisitos são cumulativos: a ausência de um deles já se mostra suficiente para impedir a concessão da liminar.
O perigo da demora é claramente evidenciado pelo fim próximo do prazo para a sanção/veto do projeto pela Presidenta da República (CF, art. 66, § 3º).
A plausabilidade das alegações decorre da tese recentemente firmada por este Tribunal no julgamento da ADI 5.127, acompanhada da modulação de efeitos da decisão. Na ocasião, o Plenário reconheceu a “impossibilidade de se incluir emenda em projeto de conversão de Medida Provisória em lei com tema diverso do objeto originário da Medida Provisória”, em síntese, porque tal prática subtrai do Presidente da República a competência para avaliar as matérias com relevância e urgência a serem tratadas em medida provisória; viola o devido processo legislativo ordinário; e compromete o princípio democrático, ao suprimir uma importante parcela do debate que deve transcorrer no Congresso. No entanto, atento à segurança jurídica, a Corte imprimiu efeito ex nunc à decisão, preservando, até a data do julgamento (15.10.2015), “as leis fruto de emendas em projetos de conversão de Medida Provisória em lei”.
A MP no 678/2015 tratava originalmente apenas do acréscimo de dois incisos ao art. 1º da Lei no 12.462/2011, para autorizar a utilização do regime diferenciado de contratações públicas (RDC) para “obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo” (inciso VI) e “ações no âmbito da Segurança Pública” (inciso VII).
No entanto, o art. 1o do Projeto de Lei de Conversão no 17/2015 fez novos acréscimos ao art. 1o da Lei no 12.462/2011, para autorizar o RDC também em “obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística” (inciso VIII); e nos “contratos a que se refere o art. 47-A” (inciso IX), sendo este art. 47-A incluído pelo próprio projeto, que dispõe sobre a locação de bens móveis e imóveis pela Administração. O projeto também inclui na Lei no 12.462/2011 preceitos para permitir a utilização do RDC em “contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino e de pesquisa, ciência e tecnologia” (art. 1º, § 3º); dispor sobre o valor estimado da contratação em licitações de obras e serviços de engenharia cujo “anteprojeto contemplar matriz de alocação de riscos entre a administração pública e o contratado” (art. 9º, § 5º); além da utilização de arbitragem e mediação para contratos regidos pelo RDC (art. 44-A).
O art. 2º do projeto altera a Lei de Execuções Penais para permitir a execução indireta de diversas atividades (art. 83-A) e vedar a delegação de funções (art. 83-B). O art. 3o trata de renegociação de dívida do Proálcool; o art. 4º do registro de títulos e documentos; o art. 5o de atribuições dos oficiais de registro de imóveis; o art. 6o de compensação de crédito de PIS/PASEP e COFINS; e o art. 7º do prazo para disposição final ambientalmente adequada de rejeitos. Difícil imaginar um diploma legal mais heterogêneo, com matérias que aparentemente não guardam relação com o texto original da Medida Provisória. E a sanção ou veto do projeto ocorrerá posteriormente ao julgamento da ADI 5.127 (15.10.2015).
Diante do exposto, defiro o pedido liminar alternativo, ad referendum do Plenário (RI/STF, art. 21, V), para suspender o trâmite do Projeto de Lei de Conversão no 17/2015, exceto naquilo que corresponde ao acréscimo dos incisos VI e VII ao art. 1º da Lei no 12.462/2012. Caso sancionado o projeto em pontos diversos daqueles excepcionados acima, fica a eficácia de tais dispositivos suspensa até posterior deliberação.
Notifique-se a autoridade impetrada para prestar 11 informações, bem como intime-se o órgão de representação judicial da respectiva pessoa jurídica para, querendo, ingressar no feito (Lei no 12.016/2009, art. 7º, I e II).
Na sequência, abra-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República (Lei no 12.016/2009, art. 12).
Publique-se. Intimem-se.
Oficie-se com urgência.
Brasília, 19 de novembro de 2015
Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO
Relator