Ricardo Ramos
A nove meses das eleições, a resistência do PT em mudar a Constituição para liberar as coligações partidárias empurra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o isolamento político. Ao se posicionar contra a proposta que derruba a chamada verticalização, a bancada petista na Câmara desagradou a aliados históricos, como o PCdoB e o PSB, e ao próprio presidente. E tornou praticamente inviável a realização do sonho de Lula de se reeleger com o apoio do PMDB.
Instituída por uma interpretação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2002, a regra proíbe que partidos lancem chapas aos governos estaduais diferentes das alianças para presidente da República. “Não vejo nenhuma contradição entre a posição de Lula e a da bancada do PT”, diz o líder do partido na Câmara, Henrique Fontana (RS). “As alianças para outubro não são prejudicadas pela manutenção da regra”, avalia, ao admitir, logo após a reunião de líderes realizada ontem, que a proposta não deve ser apreciada durante a convocação extraordinária.
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Mas nem mesmo dentro do PT a posição de Fontana encontra eco. “Há uma sensibilização da bancada no sentido de modificar a nossa posição”, afirma o vice-líder petista Vicentinho (SP). “Não há a hipótese de o PMDB dar o vice a alguém. Se há algo que une o PMDB é a candidatura própria, o projeto de poder. Até para alavancar as candidaturas estaduais”, resumiu o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), em entrevista ao jornal O Globo, no domingo.
A declaração de Renan – até então um dos principais entusiastas da dobradinha Lula-PMDB e defensor do fim da verticalização – sinaliza que a intenção de Lula de derrubar a medida pode ter vindo tarde demais. O fim da restrição esbarra nas chances remotas de a regra cair nas duas frentes de batalha em que se encontra: no Congresso Nacional e no TSE (leia mais).
O gato pelo rabo
Publicidade“O PT está olhando mais uma vez para o próprio umbigo, em busca da pureza ideológica perdida”, afirma o cientista política Paulo Kramer. “Quem está certo (em buscar derrubar a verticalização) é o Lula”, considera o professor da Universidade de Brasília (UnB). Segundo Kramer, o PT joga contra as pretensões eleitorais de Lula ao negar espaço para partidos com os quais não têm identificação ideológica. “O PT não consegue articular um gato pelo rabo”, brinca.
Ao buscar apoio dos partidos aliados, Lula mira no maior tempo de propaganda eleitoral na TV e no rádio e na companhia de caciques políticos nos palanques nos estados durante a campanha. “A vida é um assunto local”, define o líder do PTB na Câmara, José Múcio (PE), ao parafrasear Charles Chaplin e ressaltar a importância das alianças regionais na composição das candidaturas presidenciais.
Partidos da base aliada envolvidos nas denúncias do mensalão, PTB , PL e PP já fecharam questão: se a verticalização não cair, vão liberar suas lideranças políticas para apoiar quem bem entender na disputa pelo Planalto.
Aliados históricos, ou não
Nem mesmo com os aliados históricos, Lula tem garantia de apoio para as próximas eleições. Descontentes com os rumos da economia, PSB e PCdoB têm elevado o nível das exigências em troca de apoio a um eventual segundo mandato do presidente. “O PSB não tem compromisso com Lula ou com o PT em 2006. Podemos estar juntos como podemos não estar”, avisa o líder do partido na Câmara, Renato Casagrande (ES), numa sinalização de que a resistência dos petistas pode afugentar até a eventual aliança de Lula com o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PSB), cotado para vice.
Socialistas e comunistas acusam o PT de tentar se beneficiar eleitoralmente com a verticalização e de voltar as costas para velhos companheiros. A restrição para as coligações, na avaliação deles, seria um argumento a mais para o PT dizer não às alianças partidárias e concentrar o poder em suas próprias mãos. Pelo mesmo raciocínio, com a manutenção da regra, os petistas se livrariam do desconforto de pedir votos a desafetos regionais em troca do apoio a Lula.
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