A ameaça de resistência não foi suficiente para sustentar a pressão sobre os ombros do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Trancado em sua residência oficial há mais de uma semana, o parlamentar ontem resolveu sair da clausura para encontrar-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A reunião, que na agenda de Lula aparecia como um encontro entre os presidentes do Executivo e do Legislativo, na verdade era o argumento que Severino queria para comunicar o que já era anunciado extra-oficialmente desde o fim de semana: vai deixar a presidência da Câmara na amanhã.
Até a metade da semana passada, Severino dizia não cogitar a hipótese da renúncia, ao contrário do que sugeriam colegas de bancada, assessores e membros de sua base
Leia também
O presidente Lula atendeu a solicitação do parlamentar e a decisão foi bem recebida pelo líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). “O PP é um partido da base aliada e não pode ser tratado de forma diferente”, afirmou o parlamentar, sustentando que o Planalto vai manter os nomes indicados pelo PP no governo.
Nos últimos dias, a pressão para que o parlamentar pedisse afastamento da presidência cresceu, mas ele manteve a decisão de ficar no cargo. Ontem, porém, os boatos de que ele deixaria não só a cadeira mais importante da Mesa Diretora, mas também seu mandato, aumentaram. O advogado de Severino, José Eduardo Alckmin, não chegou a confirmar a renúncia, mas disse que a situação de seu cliente é difícil.
“Os indícios são fracos para um julgamento comum. Mas, como o julgamento da Câmara é político, informei a ele (Severino) que sua situação é muito difícil”, afirmou Alckmin. No início da tarde, o Planalto atendeu ao pedido de audiência do deputado pernambucano e confirmou a reunião dele com Lula. Quando Severino deixou a residência oficial rumo ao encontro, auxiliares do parlamentar anunciavam que o parlamentar já havia tomado uma decisão e apenas a comunicaria ao presidente.
Alternativas para Severino
A renúncia é uma das alternativas que o parlamentar tem para fugir de uma possível cassação e manter seus direitos políticos intactos para se candidatar nas próximas eleições, marcadas para outubro de 2006. Caso Severino não renuncie ao mandato até a quarta-feira, o Conselho de Ética vai acatar a representação encaminhada pelos partidos do bloco de oposição e instaurar um processo contra o presidente da Casa. A partir daí, o parlamentar não pode mais abrir mão de seu mandato e corre o risco de ficar inelegível até 2015.
A segunda opção é a menos recomendada por assessores e colegas próximos, já que o parlamentar tem poucas chances de ser absolvido. Mergulhado em uma crise individual, Severino foi acusado pelo empresário Sebastião Buani, dono de um restaurante que funcionava até a sexta-feira passada no 10º andar do anexo IV da Câmara, de cobrar propina. Em troca, mantinha uma concessão, sem licitação, para que o estabelecimento não fosse administrado por outra empresa.
O pagamento começou a ser feito em 2002, quando Severino era primeiro-secretário da Casa. Segundo o empresário, o parlamentar havia lhe cobrado R$ 40 mil para assinar um contrato que prorrogava a concessão para a administração do restaurante em três anos. Depois de assinado, Buani percebeu que o documento não tinha valor legal e, por isso, foi obrigado a pagar uma mesada de R$ 10 mil – o chamado mensalinho – até outubro de 2003 para que Severino mantivesse o restaurante aberto.
Para provar a extorsão, o empresário apresentou na semana passada a cópia de um cheque assinado em 30 de julho de 2002, no valor de R$ 7,5 mil, nominal a Gabriela Kênia, secretária particular de Severino. O documento foi crucial para que o pedido de cassação do parlamentar na Câmara ganhasse o apoio da maioria das bancadas – inclusive as do PT e do PMDB, que, no primeiro momento, não endossaram o pedido da oposição.
O parlamentar, para tentar justificar o cheque, disse que o dinheiro era uma doação para a campanha de Severino Cavalcanti Ferreira Júnior, candidato a deputado estadual em Pernambuco nas eleições de 2002. Júnior morreu em um acidente de carro em agosto de 2002, um mês depois da assinatura do cheque. Em sua prestação de contas, disponível no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o candidato não faz qualquer menção ao dinheiro supostamente doado por Buani. Na declaração, consta apenas uma doação, de R$ 1 mil, que teria saído de seu bolso do filho de Severino.
Ministério Público
Ao contrário do que alegou o advogado de Severino Cavalcanti, José Eduardo Alckmin, que afirmou não haver indícios para uma possível condenação na justiça comum, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, disse que já tem provas suficientes para confirmar o envolvimento do parlamentar no esquema do mensalinho. Antonio de Souza recebeu ontem documentos que, segundo ele, foram entregues de livre e espontânea vontade. Porém, resguardou-se ao direito de preservar as fontes.
Na semana passada, a PF encaminhou o inquérito sobre Severino ao Supremo Tribunal Federal (STF) e sugeriu a quebra dos sigilos bancário e telefônico de Severino. No entanto, o procurador-geral disse que as provas recebidas ontem dispensam a medida. “São documentos que confirmam o envolvimento do presidente da Câmara. São dados mais concretos e materiais do que os da polícia. Talvez dispense a quebra de sigilo”, afirmou.
Antonio de Souza afirmou também que as investigações desse caso, que ficou conhecido como o “inquérito do mensalinho”, serão rápidas e mais simples, já que existem provas concretas em comparação com as apurações sobre o suposto pagamento de mensalão a parlamentares aliados ao governo. Na sexta-feira passada, a PF encaminhou ao STF um pedido para que o inquérito do mensalinho seja transferido para o tribunal – foro adequado para apurar suspeitas criminais contra parlamentares.
Deixe um comentário