Reportagem – é o aprofundamento de uma notícia ou o mergulho em um fato importante, mesmo que não seja recente, em busca de revelações exclusivas. A reportagem, na acepção aqui utilizada, está no universo do “jornalismo investigativo”, que remete ao esforço para tornar públicos fatos relevantes que autoridades ou pessoas poderosas gostariam de manter ocultos. Uma boa reportagem requer pesquisas intensas, entrevistas com grande diversidade de fontes, reiteradas checagens e cuidado especial na apresentação do conteúdo final, que pode trazer complementos como vídeos, infográficos, mapas e painéis de visualização de dados. Também deve trazer – ou, no mínimo, tentar obter – as explicações de quem pode ter sua imagem arranhada pela sua publicação.
Duas entrevistas, dois depoimentos à Procuradoria-Geral da República, uma conversa tensa e, por fim, uma única versão, na qual confessam um crime menor do que os deputados e senadores da CPI dos Correios investigam: os empréstimos contraídos pelas empresas do publicitário Marcos Valério e não declarados pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foram utilizados para financiar campanhas eleitorais do partido nas eleições de 2002 e 2004.
Delúbio e Valério, que tiveram um encontro tenso e reservado na semana passada, negaram ao Ministério Público e em entrevista ao Jornal Nacional a existência do mensalão. “Essa história do mensalão não é verdadeira. É mentira da pessoa que apresentou isso a nação”, disse Delúbio, no sábado. “Nunca foi relacionado pelo que eu tenho conhecimento, pelo que eu assisti e pelo que eu conversei com o tesoureiro (Delúbio Soares), nunca foi relacionado a nenhum mensalão”, disse Valério, um dia antes. “Eram dívidas que vinham do passado e preparação para a campanha eleitoral de 2004”, sustenta.
O esquema de caixa dois de campanha que amealhou R$ 40 milhões, segundo ambos, teria acontecido sem o conhecimento da cúpula do partido. Esse dinheiro não contabilizado nas prestações de contas entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) configura, por si só, crime eleitoral, um delito cuja pena é menor do que corrupção no governo federal e a suposta existência do mensalão. A dívida do PT somado juros e outros empréstimos pode chegar a R$ 166 milhões.
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Na avaliação de integrantes da CPI dos Correios, contudo, as semelhanças dos depoimentos podem ser uma estratégia da dupla para livrar outros participantes do esquema, e desviar o foco de apuração da CPI dos Correios. Essa versão acabaria com a principal linha de investigação da comissão: a existência de um duto de dinheiro que sairia dos contratos de publicidade de empresas de Valério – e de estatais – e irrigaria partidos da base aliada, como o PP, o PL e o PTB.
"Na prática, estão querendo reeditar a Operação Uruguai, ou seja, encontrar uma justificativa para a origem e o destino dos recursos, justificativa que não corresponde à realidade. Querem limpar a operação", afirmou o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), em alusão ao esquema montado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello para tentar justificar a origem ilegal dos recursos da campanha dele e de seus vultosos gastos na presidência.
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""Operação Uruguai 2", foi a primeira coisa que eu associei hoje (ontem), porque, de repente, surgiu assim uma história muito bem contada entre ele [Valério] e o Delúbio", disse o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR). "Isso cheira a Operação Uruguai", afirmou.
Delúbio, que depõe esta quarta-feira na CPI dos Correios, e Valério, cuja reconvocação pode ocorrer esta quinta, foram entrevistados pelo Jornal Nacional. Veja os principais trechos das entrevistas:
Empréstimos para dívida de campanha
Marcos Valério: “No início de 2003, as (minhas) empresas tomaram alguns empréstimos bancários. Isso é facilmente comprovado pelo sistema (…) é só quebrar o sigilo. E foi no decorrer de 2003 e 2004, essas empresas tomaram vários empréstimos bancários, há um montante e repassou esses empréstimos bancários ao Partido dos Trabalhadores. Foi um empréstimo que fizemos ao PT. (…) Foi um pedido (do Delúbio Soares), o Partido dos Trabalhadores estava em dificuldades financeiras, muitas dificuldades financeiras de honrar alguns compromissos e repassamos esses recursos, esses saques até foram a pedido do tesoureiro e sempre indicando as pessoas que iriam sacar ou a empresa que iria ser transferido o recurso. Era um empréstimo exclusivamente ao Partido dos Trabalhadores.”
Delúbio Soares: “Eu confirmo (os empréstimos feitos por Valério a meu pedido). O PT, na campanha em 2002, ficou com várias dívidas referente aos diretórios regionais, das campanhas estaduais, e nós precisávamos liquidar esses débitos. No início de 2003, solicitamos junto ao Marcos Valério, que nos colocou à disposição uma pessoa que tinha bens para isso, e concordou em fazer esses empréstimos. E nós fizemos esses empréstimos para saldar despesas das campanhas eleitorais de 2002 nos estados e, em seguida, nós também solicitamos empréstimos, outros empréstimos, para preparar o partido nas disputas da eleição de 2004 e também da base aliada.”
Acerto milionário foi feito no "boca-a-boca"
Marcos Valério: “Foi o doutor Delúbio Soares que me pediu que eu fizesse o empréstimo. O empréstimo não foi ao partido, mas à pessoa que me pediu. O grau de confiança que nós tínhamos nessa pessoa. Essa pessoa nunca, em momento nenhum, nos beneficiou em nada, em nada.” Delúbio Soares: “Não há nenhuma responsabilidade de outras pessoas. Isso é entre mim e ele (Valério), eu assinei com ele um documento, particular, autorizando a ele fazer os empréstimos.
Garantias para pagar Valério
Delúbio Soares: “Qual era a expectativa do Marcos Valério em relação ao PT? Ele queria ser um publicitário do PT. Ele queria apresentar, ele apresentou não só ao PT, mas todos os partidos da base aliada e tentou pegar as campanhas eleitorais, preparando em 2003, 2004 para fazer as campanhas eleitorais de 2004. Isso era um desejo de desviar, ampliar a sua agência de publicidade. Além das contas na rede privada e em vários organismos públicos, também para o marketing eleitoral.”
Quem sabia dos empréstimos dentro do PT e do Governo
Delúbio Soares: “O ministro José Dirceu não participou, não sabia, nunca discuti esse assunto com ele. O presidente Genoíno, na época, era o coordenador, era o presidente do partido, era nosso porta-voz e definia a política de aliança. A execução ficava sob minha responsabilidade. (…) (O presidente Genoino) Não sabia (que tinha que ir a uma agência bancária sacar os recursos para financiar as campanhas). O presidente Lula não sabia. O partido é o partido, o governo é o governo. O Partido dos Trabalhadores não trata assunto financeiro com o governo.”
Delúbio Soares, num segundo momento: “A direção do PT anterior sabia. A nova direção está sendo informada. Inclusive publicou uma nota hoje. Vai discutir na sua executiva na terça-feira. A nova direção sob orientação do companheiro Tarso Genro, o nosso presidente. O companheiro Genoino e a direção anterior sabiam que tinha que fazer uma campanha eleitoral e me designaram que era de minha exclusiva responsabilidade que fizesse essa questão. Eu estou assumindo enquanto pessoa física, essa questão.”
Ex-tesoureiro do PT assume a existência de caixa dois
Delúbio Soares: “Nós devemos ter dado (sic) que foi um empréstimo de aproximadamente R$ 39 milhões, durante dois anos. Essa é a primeira realidade. O primeiro empréstimo foi para resolver, ajudar os diretórios regionais do PT a liquidar débitos com fornecedores, que ficavam nos diretórios regionais da campanha de 2002. (…) Nós trabalhamos a definição política de apoiar uma candidatura em determinada cidade, de um candidato a prefeito, a vice ou de uma chapa, prefeito e vereadores, como fazer a campanha, por isso que nós estamos revelando à sociedade brasileira que as campanhas eleitorais têm dinheiro que não é contabilizado. Isso nós estamos assumindo.”
Semelhanças com Operação Uruguai
Delúbio Soares: “Não há nada parecido. Eu discordo totalmente dessa comparação (com a Operação Uruguai). Nós fomos em duas instituições bancárias, pegamos o empréstimo e fizemos os pagamentos das necessidades do Partido dos Trabalhadores, dos partidos da base aliada para sustentar uma campanha eleitoral em 2004.”
Mensalão
Marcos Valério: “Eu posso te adiantar uma coisa. Uma: nunca foi relacionado pelo que eu tenho conhecimento, pelo que eu assisti e pelo que eu conversei com o tesoureiro, nunca foi relacionado a nenhum mensalão. Eram dívidas que vinham do passado e preparação para a campanha eleitoral de 2004.”
Empréstimos só para o PT
Marcos Valério: "O montante total dos empréstimos, literalmente, ao PT. (…) (Na figura) Do tesoureiro, de pessoas que ele indicava, que iam à agência, de empresas. E outra coisa, deixar claro: nunca houve malas e nem saque. Tudo era feito dentro das agências bancárias e eu acho que deve haver os comprovantes lá dentro."
Empréstimos para outros partidos
Marcos Valério: "Não, não fiz empréstimo para outro partido político."
Depósito e saques em dinheiro para outros partidos
Marcos Valério: “Olha, essa boataria que está no mercado, eu prefiro nem comentar.”
Delúbio Soares: “(As pessoas que sacavam em dinheiro) Eram pessoas do PT e da base aliada. (…) Nem todas as pessoas que foram o banco foram com essa situação (de serem políticos).”
Por que Valério mentiu à CPI
Marcos Valério: “Porque na verdade eu fui avalista inicial e depois não continuei como avalista da operação. Eu também esperei um tempo para falar porque as pessoas que me pediram é que tinham que se pronunciar. Quando eu vi que as coisas estavam tomando uma proporção completamente equivocada, eu tive que conversar, tive que falar com as pessoas, mas aí eu perdi a interlocução porque essas pessoas saíram do partido, o senhor Delúbio não é mais o tesoureiro. E agora, estou revelando o fato."
Como o PT pagaria as dívidas de caixa dois com Valério
Marcos Valério: “Estou respondendo por eles, vamos tentar negociar, vamos tudo, vamos tentar negociar com a nova direção do Partido dos Trabalhadores, foram empréstimos legais, tomado de forma legal, transparente, junto ao mercado financeiro, privado, normal, de crédito normal.”
Delúbio Soares: “Nós vamos fazer junto às filiadas do PT, junto à sociedade, esse esclarecimento. Porque as campanhas eleitorais, no Brasil, têm recursos não contabilizados. Acredito eu que são todos os partidos. Nós estamos assumindo, e eu estou assumindo, como o ex-tesoureiro do PT, essa questão perante a nação. Que nós fizemos nesse período de 2003, 2004, dinheiro não contabilizado. (…) As pessoas têm vários nomes para chamar (o caixa dois de campanha). Nós estamos chamando de dinheiro não contabilizado. Esses recursos serão, agora, apresentados como retificação junto ao Tribunal Superior Eleitoral, que vai tomar essa definição. Por que o Brasil vive essa situação? Por causa da maneira do financiamento das campanhas, a situação dos partidos brasileiros, hoje, da maneira que é feita, não é suficiente para sustentar os partidos. E os partidos normalmente recorrem às empresas que financiam o partido com nome declarado, normalmente ficam com medo de ter seu nome, em ser prejudicado no futuro.”
Coincidência em depoimentos ao MInistério Público
Delúbio Soares: “Não, há uma coincidência dos fatos.”
Ficou sem explicação
1) Como o PT – e o ex-tesoureiro Delúbio Soares – pretendiam saldar as dívidas milionárias com Valério;
2) Quem seriam as pessoas indicadas por Delúbio Soares para retirarem o dinheiro das contas das agências de publicidade de Valério.
3) Valor do empréstimo feito pelas empresas do publicitário ao partido;
4) Quantidade de empréstimos realizados entre as empresas de Valério e o PT;
5) Se o publicitário foi apenas avalista desses empréstimos ao PT;
6) Se o montante dos empréstimos feitos por Valério ;
7) Não foi confirmado se Valério encontrou-se ou não com Delúbio antes das entrevistas;
8) Valério disse que vai entregar, esta semana, documentos que comprovam que os empréstimos feitos pelas empresas dele para financiar o PT;
9) Por que, desde a entrevista coletiva que deu no dia 6 de junho, o ex-tesoureiro ainda não disponibilizou seus sigilos bancário e fiscal à CPI dos Correios;
10) Desde a entrevista de 6 de junho, Delúbio ainda não explicou que tipo de chantagem política teria sido alvo.
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